Entidades sindicais se manifestam contra fundações na área de Saúde no Rio

No Dia internacional da Saúde, audiência pública no Rio se transforma em um grande ato em frente às escadarias do Palácio Tiradentes. Inúmeras entidades sindicais reuniram-se para se manifestarem contra as fundações que o governo Sérgio Cabral quer implantar no estado. A lei n.º 5164, de 17/12/2007, autoriza a criação de três Fundações Estatais de Direito Privado, dando o pontapé inicial de uma política de privatização da saúde pública. Por Diego Cotta (*).


No Dia internacional da Saúde (7/4) foi realizada uma audiência pública que se transformou em um grande ato em frente às escadarias do Palácio Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Inúmeras entidades sindicais, não só da área de saúde, reuniram-se para se manifestarem contra as fundações que o governo Sérgio Cabral quer implantar no estado. A lei n.º 5164, de 17/12/2007, autoriza a criação de três Fundações Estatais de Direito Privado, dando o pontapé inicial de uma política de privatização da saúde pública.

Inconformados com a atitude do governador, vários parlamentares, políticos, representantes de sindicatos e conselhos, estudantes e professores decidiram realizar esse ato que se manteve durante toda a audiência pública, ocorrida dentro do palácio. As principais reivindicações dos manifestantes eram a contratação, via concurso público, de mais agentes de saúde para o combate endemias; negativa às "Fundações" e maior atenção por parte das três instâncias governamentais para a calamidade pública que o Rio enfrenta.

O deputado estadual e presidente da comissão de saúde da Alerj, Paulo Ramos, foi quem deu início à audiência. Criticando severamente o atual governo do estado, Ramos lamentou que, no dia internacional da saúde, autoridades e sociedade civil não estivessem comemorando, mas sim procurando soluções para o estado de caos que o Rio vivencia. Relembrou os inúmeros compromissos firmados por Sérgio Cabral em época de campanha que não foram cumpridos, como a recuperação da sede do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (IASERJ), que, na verdade, foi transferido para o Instituto Nacional do Câncer (INCA).

"Sérgio Cabral se articula com o presidente Lula para responsabilizar o governo municipal da epidemia da dengue, onde na verdade deveria reunir esforços para que as três esferas resolvam o problema. (...) O que estamos vivendo com a criação dessas fundações é uma inversão constitucional. Servidor público deve continuar sendo concursado, ter um regime estatutário e direitos à sindicalização. E o governo é obrigado a garantir condições boas de trabalho", afirmou o deputado.

Movimento unido
Logo após a abertura da audiência, a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro, Rejane de Almeida, ressaltou a importância da mobilização para a efetiva mudança da lei que foi importada. A representante sindical caracterizou a lei 5164 como inconstitucional e convocou todos que estavam presentes para a luta, afirmando ser um desrespeito com o funcionário público da saúde que há muito vem se dedicando em tempos de epidemia de dengue.

"Classifico este ato como um movimento unitário e apartidário. Conseguimos reunir grandes sindicatos não só da área da saúde, mas de outras tantas áreas. É um movimento forte. Temos que bater palmas para esses servidores que estão levando essa epidemia da dengue nas costas. A lei 5164 é inconstitucional e nós temos o compromisso de derrubá-la!", disse Rejane.

A epidemia de dengue no estado pode ser encarada como um diagnóstico de uma política de descaso e indiferença com a saúde pública. É notório que o corte de verbas por parte do governo federal em vários setores, que teima em alcançar o superavit primário e cumprir as famigeradas metas do FMI, interfere principalmente nas classes mais desfavorecidas. Também é evidente que a epidemia só fez emergir uma crise que há muito vem assolando o Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que a responsabilidade é jogada de governo em governo.

"Temos um sistema de saúde sub-financiado. É um sistema de tratamento de doença e não de saúde. Temos uma cultura de cuidar das doenças depois que elas ocorrem. O SUS vive sua pior condição hoje. Os recursos do governo federal são insuficientes para atenderem a demanda. O trabalhador da área de saúde foi o mais atingido nessa política de precarização do trabalho. O problema de saúde pública é uma responsabilidade tripartite", afirmou o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista.

Números incontestáveis
A saúde do Rio vai mal. Até início de abril aumentou para 57 mil o número de notificação de dengue no estado. Por dia, são notificados pelo menos 2 mil novos casos. São 68 mortes no estado, sendo 45 na capital. Sem falar do aumento da mortalidade infantil e tuberculose. Essa lei que autoriza a criação das fundações privadas instituídas pelo Poder Público foi aprovada sem levar em conta o estado de calamidade e sem ao menos ser discutida com a sociedade. A lei 5164 é claramente um golpe no setor da saúde que passará a funcionar sob a política do lucro.

Segundo os inúmeros representantes dos sindicatos que subiram no carro de som para discursarem sobre o assunto, as fundações aprofundarão a precarização, a privatização e o desmonte da saúde pública que atende a todos aqueles que não têm dinheiro para pagar planos de saúde. É usurpar o direito à saúde, previsto na constituição brasileira, e render-se a lógica perversa do neoliberalismo.

"A situação em que vivemos é uma crise crônica em várias áreas: saúde, educação, saneamento básico etc. O que conseguimos até agora foi muito pouco. Mobilizamos poucos parlamentares em prol de nossa causa. É preciso arregimentar mais aliados para que juntos possamos mudar essa terrível situação", avaliou a diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social no Estado do Rio de Janeiro (Sindsprev), Janira Rocha.

Heloisa critica política financeira
A presença da ex-senadora Heloisa Helena no debate causou um verdadeiro frisson na plenária da Alerj. Ao som de "Um, dois, três. Quatro, cinco, mil. Queremos Heloisa presidente do Brasil", a ex-candidata à presidência da República chamou atenção para o grau de emergência que epidemia demanda. Além das severas críticas ao governo federal, Heloisa também repudiou a política financeira do país, responsável por boa parte da crise que o país se encontra.

"O Brasil é o retrato de uma política financeira reacionária, conservadora e que compactua com a irresponsabilidade fiscal e tributária. Lula constrói um Estado brasileiro parasitário. (...) Nenhuma outra área exige uma ação tão emergencial como a área da saúde. Só que ela não pode esperar, pois exige medidas de curto prazo. Não podemos aceitar a incompetência governamental. Vivemos um estado de calamidade", disse Heloisa Helena.

É importante salientar que essa lei das "Fundações", sob a perspectiva jurídica, também é um contrasenso. Chamada para discursar sobre o assunto, a juíza federal Salete Maccalóz deixou clara a impossibilidade de se existir uma entidade onde o dinheiro será público, o atendimento também será voltado ao povo, mas a gerência será privada. Além disso, a juíza questiona a aprovação, por parte dos deputados estaduais, do projeto de lei encaminhado pelo governador Sérgio Cabral.

"É impossível se sustentar uma fundação pública com direito privado. Esta lei 5164 é um amontoado de ignorância política e jurídica. Como é possível que os deputados desta casa legislativa, eleitos pelo voto popular, tenham aprovado uma lei como essa? É o máximo do absurdo!", questionou Maccalóz.

Como na entrevista dada ao Jornal da Adufrj do dia 1º de abril, a coordenadora do Projeto Políticas Públicas de Saúde da Uerj, Maria Inês Bravo, analisou o quadro crítico em que se encontra a saúde pública do estado. Para a professora, o caos já está implantado, com o alastramento da epidemia da dengue, a desvalorização dos trabalhadores na área de saúde e, por fim, a tentativa de privatização da gestão da rede pública de saúde.

"O governo defende a privatização de várias áreas, inclusive da saúde. É uma crise que perpassa desde 1993 e que perdura até hoje. A partir daí vivemos de crise em crise. Não é uma perspectiva de mutirão como os representantes do governo querem propagar, mas sim de uma reforma social profunda que deve ser implantada", disse Maria Inês.

Estudantes também contestam projeto
O movimento discente também esteve presente no ato. Alunos de diversos cursos caracterizaram como arbitrária a aprovação da lei das Fundações sem ao menos discutir com os profissionais que atuam na área da saúde. A crise que o governo entende que seja na gestão na verdade é uma crise sub-financiamento e de falta de cargos e salários para os profissionais.

As executivas de saúde do movimento estudantil tem feito uma mobilização pelo fórum de executivas, onde foi decidido que faremos uma campanha contra as fundações. Tanto na área da saúde como na educação, pois as duas lidam com a questão da privatização que o movimento é contra.

Para os estudantes, a aprovação dessas fundações iria transformar substancialmente a rotina do setor, trazendo prejuízos tanto para os usuários quanto para a formação dos profissionais. "Para nós o principal problema das fundações é que os profissionais serão guiados para fazer planos de metas. Teremos que trabalhar determinado tempo para atender tantas pessoas. Mas isso é uma lógica de mercado que é centrada em um procedimento. Temos que fazer um determinado procedimento para atingir um determinado resultado, não dando atenção à saúde do usuário e à qualidade do atendimento", disse a aluna do 8º período de Nutrição da UFF, Ariana Tavares.

(*) Diego Cotta é co-editor da Revista Consciência.Net


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