Estesia como azimute a re-educação: a busca de um amor 'Gaico'

Nossa atual crise global necessita de uma autêntica revolução política, social e cultural, re-orientando os objetivos das produções de bens materiais e imateriais, e com certeza da relação entre sujeito-objeto-sujeito. Por Rodrigo Mendes Rodrigues (*).

Constantemente em nosso cotidiano nos deparamos com a afirmação de que nosso planeta está em um processo de aquecimento, e que as mudanças geradas por esse procedimento são catastróficas, o que pode gerar, segundo alguns cientistas, a extinção voluntária de nossa espécie.

Uma catástrofe que exalta, fazendo o mau uso da palavra, uma grandiosa ‘tragédia’, pois a angústia é o do caminhar para morte, relação existencial que não somos educados no conviver do viver. Essa angústia só se expressa em menor intensidade tendo-se o coletivo, o que gera uma visualização embaçada, distante do eu observador...

São lançadas propostas como a necessária redução em cinqüenta por cento da emissão de gases (clorofluorcarbonetos – os CFCs). Mas o que não alvitra são das necessárias transformações de nosso valores, “normas, princípios ou padrões sociais aceitos ou mantidos por indivíduo, classe, sociedade[s], etc.”. (FERREIRA, p. 2044)

Nossa espécie em seu processo histórico não apresentou, significativamente, situações que buscassem um melhor relacionar com nossa mãe Gaia. Vemos expressos nas propostas políticas, educacionais, nas relações científico-tecnológica, da cultura alimentar, do religioso, da relação entre os homens consigo e com o mundo que o cerca, um limitar (o mero negar do dasein), um afastar, que caminha a um vazio existencial, a um niilismo, como alguns já nos apontaram como Nietzsche e Foucault.

A necessidade de um novo olhar se torna premente, a superação de antigos parâmetros que até aqui foram rigidamente demarcados entre o pensado, o sensível e o sentido, caminho histórico decorrente do processo moderno científico e que aceitamos sem reservas, nos adequando a situações emblemáticas. Com esse vazio que caminhamos em nossa aceitação, deparamo-nos com uma geração ‘internáutica’ que cada vez se isola mais do mundo, no contato com o outro e por que não consigo mesmo. Uma visão moderna de cisão, parcializando o mundo e a vida, desarmonia, partes fragmentadas da existência que me atrevo a chamar de doença grupal, que vai além da tão comum esquizoidia para celeremente chegar ao limite, perigoso, de uma esquizofrenia coletiva. (DUARTE, p. 70)

Alusão bem posta pelos pensamentos de Fêlix Guattari, que a nossa atual crise global necessita de uma autêntica revolução política, social e cultural, re-orientando os objetivos das produções de bens materiais e imateriais, e com certeza da relação entre sujeito-objeto-sujeito. Essa relação deve se traçar no construir-destruindo, não só nas relações de forças visíveis em grande escala, mas também visando os domínios moleculares do sentir, do inteligir e do desejar. (GUATTARI, p. 9) (voltemos nosso olhar para o antes, olhemos nos olhos de Spinoza e vejamos a luz da lanterna de Diógenes (phainesthai)).

O nosso estar-no-mundo acompanha uma necrose de nosso Bem sentir o mundo. Os sentidos são menosprezados em favor de um alinhamento da produção do pensar racional, se fazendo sui generis um alinhamento. Hillman em seu Cidade & Alma, aponta:

queremos o mundo porque ele é bonito, seus sons, seus cheiros e suas texturas, a presença sensorial do mundo como um corpo [entendendo corpo em sua forma de intercorporeidade, além da consciência intencional, merleau-pontiana]. Resumindo, por baixo da crise ecológica está a crise mais profunda do amor: que nosso amor tenha abandonado o mundo, que o mundo esteja desamado, é o resultado direto da repressão da beleza, de sua beleza e de nossa sensibilidade para ela. Para que o amor retorne ao mundo, é preciso, primeiramente, que a beleza retorne, ou estaremos amando o mundo só como uma obrigação moral: limpá-lo, preservar a natureza, explorá-la menos. Se o amor depende da beleza, então, primeiro, vem a beleza, uma prioridade que está de acordo com a filosofia pagã, em vez da cristã. A beleza antes do amor também está de acordo com a experiência demasiado humana de sermos levados ao amor pelo encantamento da beleza (HILLMAN, p. 131, op. cit., DUARTE, p. 32).


Esse buscar de um novo amor, um amor Gaico, deve ser acompanhado de uma re-educação, um re-educar dos sentidos (alinhamento da estesia), a somatória de uma transvaloração dos valores. O destruir o edifício social, com todos os seus êthos e éthos, buscando de seu terreno, de seus alicerces, um re-constrir de um novo hábitat, com novas formas de habitá-lo (senti-lo), relacionar-se (ser-no-mundo).

Em uma visão não pessimista, mas sim realística (Shopenhauriana), aprioristíca e postuma simultaneamente (‘peço a licença anti-poética de conclamar as musas a me abençoar nesse doce esquecimento que se segue’), em que chegamos como espécie humana em uma relação sem saídas, em que ou teremos uma extinção completa ou muitos milhões, bilhões se submeterão às dores e à morte, um apocalipse voluntário. E qual seria o nosso papel? Nosso momento histórico é o de re-pensar o mundo, deixando gotículas do vivido para que os que virão (“Crianças Índigos”) possam fazer uso de todos os erros e acertos cometidos, e assim, e só assim, possam construir algo novo, repleto de um novo amor, de um novo olhar do/com o mundo.

(*) Rodrigo Mendes Rodrigues é professor.



Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 1014p..

CARROL. Lee; TOBER, Jan. Crianças Índigo: crianças muito especiais estão chegando!. São Paulo: Butterfly, 2005. 264p..

DUARTE J., João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. (Tese de doutorado) Faculdade Estadual de Campinas. 2000. 234 p..

FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Aurélio: O Dicionário da Língua Portuguesa. Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 2128 p..

GUATTARI, Fêlix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990. 56 p..

HILLMAN, James. Cidade & Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.



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www.consciencia.net

4 comentários:

Anônimo disse...

o texto em conformidade com a realidade atual.
se oque falta é o sentimento em alguns, sobre em outros...


o amor pela natureza vai ser atingido, pode ser pelo lado facil, ou pelo dificil..

se for pelo dificil, todos vão sofrer...


otimo texto, mas discordo quando usam o termo GAIA rs*
prefiro coisa mais cientificas.

abraços.
borba!

Anônimo disse...

Olá , Rodrigo !!!
Fiquei muito sensibilizada com seu texto.
A parte que fala da beleza serve para mostrar que antes de existir no mundo das formas, ela já existe no interior de quem a criou, portanto não pode haver beleza de onde não brotem bons sentimentos e pensamentos. "Assim na terra como no Céu" , eu diria assim dentro como fora. A humanidade de hoje dá muito valor a beleza externa e não sabe expressar o que melhor tem dentro de si.
Você expressou muito bem sua beleza neste texto !!!
Parabéns !!!
Paz, Luz e Amor no coração !!!
Gisele de Abreu Barbosa

Anônimo disse...

Adorei Rodrigo, muito bem escrito e com uma erudição impar.
Você anda seguindo o nosso mestre João-Francisco, e esse assunto é super interessante e instigante. Somos professores e experimentamos cada vez mais esse distanciamento, essa falta de "conectividade". As relaçoes são muitas vezes virtuais, ilusórias, superficiais, mesmo a nossa interação com "gáia". Essa, como nosso corpo é apenas objeto, algo em que não conseguimos nos livrar... Triste realidade.

Anônimo disse...

Belíssimo texto!
Com certeza nossa mãe Gaia estaria em melhores cuidados se todos os seres humanos tivessem a oportunidade de ter um mestre preocupado com o nosso meio (invisível para muitos)como você. Não há dúvidas que elas cresceriam com uma beleza interna e visão/pensamento anti-alienantes que as levariam a preservar nossa morada (temporária ou eterna - nossa mãe Terra).
Fazendo uma análise textual, seu texto está coeso e coerente. As musas Tágides lhe deram uma bela emulação de nossos sábios gregos e romanos. Suas palavras foram dignas de Virgílio, Ovídio e Homero... Beba sempre desta água de Hipocrene! risos...
Parabéns! Continue sempre trilhando este caminho da catarse de vossos ideais.
Nosso mundo tem "jeito" é só aprendermos a lidar com nossos próprios sentidos e a enxergar a nossa beleza interna e, principalmente a que nos cerca.
ABRAÇOS!!!