Justiça impede Anvisa de analisar agrotóxicos

Com pareceres favoráveis da pasta da Agricultura, empresas conseguem barrar ação de fiscais com liminares

Evandro Éboli, no Portal Globo.com

BRASÍLIA. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem tentando, desde o início do ano, submeter à análise de seus técnicos doze produtos que são base para fabricação de mais de uma centena de agrotóxicos no país. Utilizados em lavouras de soja, arroz, milho, feijão, trigo, maçã, laranja e dezenas de outras frutas, verduras e legumes, os agrotóxicos são produzidos a partir de ingredientes ativos banidos e proibidos na União Européia, nos Estados Unidos, no Japão e na China.

Mas a ação da Anvisa foi barrada. Com pareceres favoráveis do Ministério da Agricultura, empresas brasileiras produtoras de agrotóxicos e multinacionais conseguiram na Justiça impedir o exame dos fiscais da Anvisa.

Um dos produtos foi considerado nocivo à saúde As ações judiciais foram movidas por empresas e pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag), que reúne fabricantes nacionais e estrangeiros.

Com base nas liminares, a indústria do agrotóxico no Brasil continua importando e estocando esses produtos.

Os técnicos da Anvisa até conseguiram concluir a análise de dois ingredientes. O cihexatina, agrotóxico muito utilizado na plantação de laranja, foi considerado nocivo à saúde e a agência recomendou que fosse proibido seu uso no país. Experiências em ratos, coelhos e camundongos detectaram que o agrotóxico causa má-formação fetal, risco de aborto e danos à pele, visão e fígado.

Mas a empresa Sipcam Isagro Brasil recorreu e conseguiu liminar da 6aVara do Distrito Federal proibindo a Anvisa de adotar qualquer medida restritiva contra os defensivos agrícolas à base de cihexatina.

A Sipcam contou com a adesão do Ministério da Agricultura, que se manifestou no processo a favor da empresa e argumentou que a retirada do produto do mercado seria danosa para a empresa porque impediria o controle do “ácaro da leprose, que atinge de maneira quase letal a citricultura (cultura de laranja)”.

A Anvisa analisou também o acefato, produto apontado em estudos e alertas internacionais como cancerígeno e vetado em vários países. Mas a empresa Arysta Lifescience do Brasil recorreu e a agência foi proibida de divulgar o resultado.

Mais uma vez, a decisão da Justiça levou em conta uma intervenção do Ministério da Agricultura, que se manifestou contrário à proibição do uso do acefato.

Uma terceira ação foi movida pelo setor, dessa vez pelo Sindag. Numa decisão só, uma liminar da 13aVara Federal suspendeu a reavaliação de nove ingredientes ativos usados na fabricação de 99 agrotóxicos.

Entre esses produtos está o paration metílico, que foi proibido na China em 2007.

Barrado na China, importado pelo Brasil

Dados de evolução de exportação do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), ligado ao Ministério do Desenvolvimento e Comércio, revelam que há crescimento da entrada no Brasil desses agrotóxicos, à medida que essas substâncias são proibidas em outros países.

O paration é um exemplo. Desde que foi banido da China, em 2006, a importação brasileira do produto duplicou de um ano para outro. Saltou de 2,3 milhões de quilos em 2006 para 4,6 milhões de quilos em 2007.

Outro agrotóxico que conquistou maior fatia do mercado brasileiro foi o carbofuran, proibido na União Européia em 2005 . Em apenas dois anos, a importação saiu de cerca de um milhão de quilos para dois milhões de quilos.

Representante do ministério critica posição do órgão e nega atuação em favor de empresas

BRASÍLIA. A divergência entre Anvisa e Ministério da Agricultura aparece nas atas de duas reuniões do Comitê Técnico de Assessoramento de Agrotóxicos, composto por representantes das duas áreas, além de técnicos do Ibama. A função desse comitê é analisar pedidos de registro de agrotóxicos. Em duas reuniões, em julho e agosto, a Anvisa demonstrou sua insatisfação com a atuação do pessoal da Agricultura, contrário à reavaliação das substâncias.

“A Anvisa lamentou a postura do Ministério da Agricultura, que não se manifestou durante reunião de reavaliação e, com procedimento ainda em andamento, manifestouse ao Judiciário. A
Anvisa afirma que com este tipo de postura há uma quebra de confiança entre os órgãos, pois internamente, frente à Anvisa, o ministério se manifesta de uma forma e perante o Judiciário se manifesta de outra”, diz a ata, publicada na página do próprio Ministério da Agricultura.

A gerente de Normatização e Avaliação da Anvisa, Leticia Rodrigues da Silva, reafirmou o teor da ata e disse que a falta de reavaliação é uma ameaça à saúde dos agricultores e dos consumidores. Ela julga absurda a decisão que proíbe essas novas análises e até a publicação de exames já concluídos.

— É uma situação que coloca a população em riscos inaceitáveis. São produtos que são usados em toneladas por agricultores. Alguns desses produtos são extremamente tóxicos e podem matar com pequenas quantidades.

E é um risco coletivo, que atinge muitas pessoas que você não consegue identificar quem são. A decisão da Justiça é preocupante e nos torna impotente — disse Letícia Rodrigues.

“Prevalece assembleísmo”, diz diretor do ministério Girabis Evangelista Ramos, diretor do Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura, afirmou que não é contrário às reavaliações de produtos e que essas reanálises sempre ocorreram. Ele reconheceu as divergências com a Anvisa e disse que as posições do ministério nunca são aceitas pelo setor da saúde e que as discussões no comitê não são técnicas.

— Prevalece um assembleísmo e não aceitam as nossas ponderações — disse Girabis Ramos.

O diretor negou que o ministério tenha atuado em favor das empresas nos processos e que só se posicionou porque a Justiça questionou sobre os casos. Girabis afirmou ainda que as informações prestadas aos juízes constam nos registros dos produtos, que foram aprovados pelos setores da agricultura, da saúde e do meio ambiente.

— E são produtos que estão no mercado brasileiro há 40 anos. Só agora se descobre que causam danos à saúde?! Claro que, se ficar comprovado que fazem mal, seremos os primeiros a pedir que sejam proibidos.


FONTE: www.globo.com - Domingo, 9 de novembro de 2008


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