Cabe ao STF evitar que a ópera bufa vire tragédia

Celso Lungaretti

Para observadores experientes da cena política, as sucessivas demonstrações de arrogância e de desprezo pelas instituições brasileiras em que as autoridades da Itália vêm incorrendo desde o anúncio da concessão do refúgio humanitário ao perseguido político Cesare Battisti nunca iludiram: são apenas jogo de cena destinado ao público interno.

Querem dar aos cidadãos italianos mais obtusos e rancorosos a impressão de tudo estarem fazendo para que o Brasil não siga o exemplo da França - a qual, tanto na era Miterrand quanto sob Sarkozy, decidiu soberanamente sobre quem deveria ou não acolher, lixando-se para a pretensão da Itália de impor ao mundo o respeito por seus julgamentos farsescos da década de 1980.

Foi quando se deu a condenação de Battisti e tantos outros, em meio às grotescas aberrações jurídicas que marcaram esse macartismo à italiana, como o enquadramento retroativo dos réus em leis promulgadas após a ocorrência dos delitos a eles imputados e a kafkiana prerrogativa que o Estado se concedeu, de manter preso um acusado de subversão, preventivamente (!), durante até 10 anos e oito meses.

Eliane Catanhêde, colunista da Folha de S. Paulo com ótimo trânsito nos bastidores do poder, revela que "há duas manifestações distintas no governo e na chancelaria da Itália: uma para a opinião pública, dura e irritada contra o Brasil; a outra para Brasília, mais amena e política, justificando que a 'dureza' é necessária para satisfazer a pressão interna" ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2901200910.htm ).

Trocando em miúdos, jogo de cena.

Afinal, se a enxurrada de insultos públicos endereçados ao governo brasileiro fosse para valer, este teria reagido de forma bem mais contundente. Seu comedimento só fazia mesmo sentido supondo-se que houvesse sido previamente comunicado da opera bufa que teria lugar nos palcos da Itália, com Giorgio Napolitano no papel de primeiro tenor.

Mais: segundo Catanhêde apurou, "a intenção da Presidência e da chancelaria italianas é concentrar as críticas no ministro da Justiça, Tarso Genro, que decidiu pelo refúgio a Battisti, e assim mesmo reconhecer que, pela legislação brasileira, ele tinha de fato essa prerrogativa". Para não deixar dúvidas, ela enfatiza que "na avaliação italiana, Tarso não teria errado ao avocar para si a decisão".

Depois da manifestação neste sentido da Procuradoria Geral da República brasileira, ninguém (nem mesmo os italianos) ousa mais questionar o direito que a Lei do Refúgio confere a Genro, de decidir como decidiu.

A nova linha de ataque da brigada estrangeira e de seus quinta-colunas na imprensa nativa é pressionar o Supremo Tribunal Federal, no sentido de que dê a este caso um tratamento diferente do de todos que por lá passaram.

Até hoje, o STF sempre respeitou a prerrogativa que a lei 9.474, de 22/08/1997, confere ao governo brasileiro, de conceder o refúgio humanitário a quem considerar merecedor de tal benefício. A Itália, Mino Carta e alguns medalhões da grande imprensa brasileira querem que o Supremo avoque tal decisão, deixando de lado o "formalismo".

Na prática, isto significaria a subversão do Direito, a transgressão da Lei do Refúgio por parte de quem tem a missão constituicional de apenas interpretá-la (mantendo-se fiel ao seu espírito) e o início de uma batalha politico-legal de consequências imprevisíveis, com dois Poderes da República colocados em confronto.

Como o Caso Cesare Battisti não tem envergadura suficiente para justificar o desencadeamento de tal cataclisma, o STF certamente seguirá o parecer da PGR.

Ainda temos vívido na lembrança o episódio do final de 1968, quando um discurso inflamado que o deputado Márcio Moreira Alves fez apenas para constar nos anais do Congresso Nacional (já que a sessão estava às moscas) acabou sendo o estopim da assinatura do Ato Institucional nº 5 e do festival de horrores dele decorrente.

O STF, ciente do perigo, deverá evitar que a História se repita.

Um comentário:

Ricardo F. disse...

E eu que pensei que nesse site houvesse alguma consciência.

Grotescas aberrações jurídicas são as treze páginas escritas por Tarso Genro, demonstrando, mais uma vez, que ele não passa mesmo de um advogadozinho de sindicalistas pelegos.

Nem sequer interpretar o Estatuto do Refugiado ele sabe.