Confirmado: foi a "delação premiada" que condenou Battisti

Celso Lungaretti

Não sou nenhum Diogo Mainardi, a fazer do jornalismo um exercício de cabotinismo, sempre louvando triunfalmente seus esporádicos acertos com aquele rançoso "eu não disse?".

Mas, defendo incondicionalmente a superioridade dos conhecimentos adquiridos na prática da vida, do amor e da luta sobre as pomposas verdades oficiais. Perspicácia, espírito solidário e empatia com os humilhados e ofendidos várias vezes me levaram a acertar quando cometiam crassos erros de avaliação aqueles que acreditam cegamente no sistema e seus valores.

Faço minhas as palavras inspiradas do grande Neruda: "Fincada tenho a mão na consciência/ e só falo a verdade pura/ que me foi ditada pela viva experiência".

Assim, baseado no duro aprendizado de quem percorreu caminhos semelhantes aos de Battisti, escrevi recentemente ( http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/01/cesare-battisti-martirio-sem-fim.html ):

"Para quem, como eu, passou pelos tribunais de exceção da ditadura militar, há um odor inconfundível de armação exalando do processo em que, de um momento para outro, apareceram testemunhas prontas a jurar que era culpado quem antes ninguém inculpava.

"Quando o dedo do Estado apontou para Battisti, no auge do macartismo à italiana deflagrado pelo assassinato de Aldo Moro, todas as peças se juntaram para formar um bom dossiê acusatório.

"Que não passa de uma obra de homens falíveis, capazes de pautar suas ações por sentimentos menores como a covardia, o oportunismo e o revanchismo; nunca a tábua dos dez mandamentos, como os reacionários tentam fazer crer."

Agora, a Folha de S. Paulo se pôs a analisar e a submeter a juristas a sentença condenatória de Battisti. Eis alguns trechos marcantes da matéria decorrente, "Delações premiadas foram decisivas para condenação" ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0802200904.htm ), que veio corroborar plenamente a minha intuição:

"As delações premiadas dos ex-militantes do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) Pietro Mutti e Sante Fatone foram decisivas para a condenação à prisão perpétua aplicada ao italiano Cesare Battisti naquele país.

"Segundo a sentença do Tribunal do Júri de Milão de 1988, 'as declarações dadas por Pietro Mutti a partir de 5 de fevereiro de 1982 determinam uma reviravolta radical nas investigações e levam à incriminação dos atuais imputados [Battisti e outros membros do PAC]'.

"O professor emérito da USP Dalmo Dallari (...) disse que, pelo que se verifica analisando o processo, não há uma única prova de que Battisti tenha atirado em alguém. 'Bem diferente disso, o que se tem são afirmações contidas nas 'confissões premiadas' de arrependidos e, mesmo aí, insistindo na responsabilidade moral [grifo meu] de Battisti pelos homicídios'.

"Para o mestre em direito processual pela USP e advogado Pedro Ivo Iokoi, 'a sentença traz claramente uma argumentação com o objetivo de validar o interrogatório do corréu Mutti, beneficiado pela delação premiada'. Iokoi disse que essa constatação é possível por três razões. 'Primeiro porque descreve os fatos de acordo com a versão apontada pelo delator. Segundo, porque valora a delação desconsiderando as pequenas contradições e as diferenças das versões. E, terceiro, porque utiliza todos os demais testemunhos colhidos apenas com o objetivo de validar os elementos de prova apontados na delação', afirmou.

"A especialista em direito penal pela Universidade de Barcelona Mariana Ortiz, do escritório Reale e Moreira Porto, afirmou que 'causa estranheza o fato de Mutti ter sido interrogado por sucessivas vezes, segundo o texto da sentença'.

"Segundo Mariana, 'os depoimentos de testemunhas oculares e os exames de balística descritos na sentença são frágeis como meio de prova, se analisados em separado das delações premiadas', disse."

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