Celso Lungaretti
O Dia do Trabalho passou a ser data importante no calendário político brasileiro durante o getulismo.
Era no 1º de maio que o ditador Vargas, seguindo as pegadas do fascista Mussolini, anunciava as medidas benéficas aos trabalhadores que acabavam satelizando o sindicalismo ao governo e reduzindo a influência comunista nas fábricas: a instituição e o reajuste anual do salário-mínimo, a redução da jornada de trabalho para oito horas, a promulgação das leis que garantiram direito de férias e aposentadoria, etc.
Um 1º de maio raivoso foi o de 1968, quando os opositores moderados da ditadura convenceram o governador paulista Abreu Sodré de que ele seria bem recebido na manifestação dos trabalhadores na Praça da Sé. Os sindicalistas do ABC e de Osasco não concordaram e, quando Sua Excelência começou a discursar, uma nuvem de pedras partiu em sua direção.
Com um filete de sangue escorrendo pela testa, Sodré escafedeu-se para a Catedral da Sé, sem o mínimo respeito pela dignidade do cargo (o presidente francês Charles De Gaulle, quando caçado pelos terríveis terroristas da OAS, mantinha-se imóvel e imperturbável enquanto os disparos zumbiam a seu lado, deixando a tarefa de salvá-lo inteiramente a cargo dos seguranças).
Veio o AI-5 e o terrorismo de estado inviabilizou as manifestações de protesto de trabalhadores até 1978, quando mais de 3 mil metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) fizeram do 1º de maio uma comemoração do renascimento do movimento sindical independente.
Dois anos depois, já eram 100 mil os trabalhadores que se reuniam no estádio da Vila Euclides, para manifestar apoio aos diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que haviam sido presos por organizarem uma greve. Um deles se chamava Luiz Inácio da Silva.
É emblemática a diferença existente entre o aguerrido companheiro Lula de então, tão contundente e verdadeiro nas críticas ao FMI, e o flexível presidente que hoje considera uma glória o Brasil emprestar dinheiro ao Fundo.
Tanto quanto a própria perda de conteúdo e simbolismo do Dia do Trabalho, desde aquele longínquo 1º de maio de 1886, quando oito líderes trabalhistas de Chicago (EUA) organizaram manifestações de protesto contra os baixos salários e condições aviltantes, que incluíam jornadas de trabalho de até 17 horas diárias. Eles foram presos, submetidos a julgamento sumário e enforcados, o que gerou enorme indignação no mundo inteiro e acabou consagrando essa data como o dia de luta dos trabalhadores.
O que mudou? Primeiramente, claro, as características do processo produtivo. As enormes fábricas em que trabalhavam milhares de operários deixaram de existir, a mecanização atingiu um grau tal que muitas máquinas são operadas por pouquíssimos homens, o desemprego crônico se tornou uma guilhotina suspensa sobre a cabeça de quem ainda tem vaga (e, quiçá, carteira assinada), a terceirização se alastrou como uma praga que dissolve direitos e mina a solidariedade entre os iguais que viram competidores, as categorias enfraqueceram-se, os sindicatos passaram a ser quase irrelevantes.
O 1º de maio nasceu com o operariado industrial e esteve sempre tão identificado com ele que o esvaziamento de ambos se deu simultaneamente. É lamentável, entretanto, que os dias de luto e de luta não tenham deixado de existir por terem se tornado desnecessários.
Pelo contrário, “nunca antes neste país” (como costuma dizer o Lula) os trabalhadores viveram tão mal e com tanta insegurança. A distância entre o lar respeitável e o colchão embaixo da ponte hoje é mínima, tanto em tempos normais como quando as traquinagens estadunidenses colocam o mundo inteiro em recessão. Boa parte das garantias trabalhistas foi para o espaço e a grande maioria da mão-de-obra está relegada à terceirização e à informalidade.
Quem quer manter-se à tona no abominável mundo novo, é obrigado a longas jornadas de trabalho (cujas horas extras, no caso de quem ainda tem carteira assinada, dificilmente são pagas) e à reciclagem constante, obsessiva. Acaba mais vivendo para trabalhar do que trabalhando para viver.
O 1º de maio institucionalizou-se e definhou. As centrais sindicais só conseguem público para suas festas contratando artistas famosos e sorteando carros ou casas.
Mas, ainda há uma função a ser preenchida pelos dias de luto e de luta – na verdade, importantíssima. Há que resgatar este espírito combativo!
A História não terá fim enquanto o homem não levar a bom termo sua busca da felicidade. Então, para cada bandeira que tombar, outra deverá ser erguida. É um desafio colocado para todos nós, neste melancólico início do século 21.
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