Resenha cultural: Chega de Saudades

Laís Bodansky, diretora de 'Bicho de 7 Cabeças', conseguiu em 'Chega de Saudades' tirar personagens estereotipados do lugar comum e colocá-los como detentores de desejos, coragem, sensualidade e vontade de se divertirem. Por Raquel Gandra (*), da redação.

Segundo longa de Laís Bodansky, diretora de Bicho de 7 Cabeças, “Chega de Saudades” é um filme alegre, divertido e despretensioso.

A equipe técnica é composta pelo grande diretor de fotografia, Walter Carvalho, que cria uma atmosfera de muita aproximação dos personagens, câmera na mão, closes, etc, gerando uma estética de intimidade nada limpa nem certinha. Ele abusa da iluminação “brega” desse tipo de local (de baile), com seus amarelos e vermelhos fortes e néons.

As cenas de dança são filmadas de modo realista e quase bruto, ou seja, não há tanta uma preocupação em demonstrar os dotes de dançarinos dos personagens, quanto há de chegar na personalidade, nas intenções e nas emoções dos mesmos. Então não vá esperando uma coreografia de Carlinhos de Jesus filmada por Carlos Saura. Isso não significa que a dança não é importante. Ela é o meio, é o que perpassa todas as relações no salão. Apenas não há uma intenção em demonstrá-la de modo “perfeito” e enfeitado. O que nos leva ao cerne da história.

Lembrando a estética do filme “o baile”, de Ettore Scola, vários personagens interagem entre si, trocam e retrocam de pares, vivendo situações e repensando decisões. Duas horas de dança, razoavelmente mostradas em tempo real, que conseguem se aprofundar em questões humanas como a solidão, o amor, o ciúme e a traição, dentre outros.

Tonia Carrero está ótima como a namorada que se esquece das coisas e Stepan Nercessian também, como o mulherengo, que evoca a fala do filme “homem de baile não presta”. A homenagem a Zé Bonitinho, que tem cada vez mais reaparecido em curtas e longas, também é bem vinda no seu papel de homem que chegou bem perto da morte, mas voltou, pronto pra viver.

Assim como a fotografia é realista e por isso mesmo “deformada” de tempos em tempos, com seus closes incômodos, suas cores exageradas, seus planos instáveis, etc, os personagens também são pessoas com seus defeitos, suas recaídas, suas imperfeições enfim. E isso torna tudo mais atraente, chegando ao ponto que acho o mais interessante do filme. Quase todo o elenco é composto de cinquentões, sessentões e até setentões, mas isso não impede que “Chega de Saudades” seja um filme muito atual e, até mesmo, sensual.

É interessantíssimo ver como a diretora conseguiu tirar esses personagens estereotipados do lugar comum e colocá-los como detentores de desejos, coragem, sensualidade e vontade de se divertirem. Diferente da visão dos velhinhos das novelas das oito: pobres coitados, vítimas de seus netos mal educados; incapazes de resposta e estagnados seja na vida externa-social, seja na vida pessoal-sexual. Isso não impede que no filme haja também momentos tristes, preconceitos e barreiras a serem ultrapassadas, como na vida.

“Chega de...” atrai não só os mais velhos, que podem se identificar e se sentir motivados a sair e ir em busca de novas experiências, como também os mais novos, por verem como seu futuro poderia ser mais rico (do que ficar em casa fazendo palavras cruzadas), e também pelo aspecto descontraído e leve do filme, divertido para qualquer idade.

Para finalizar e inevitavelmente resumir, é muito inspiradora a forma como “Chega de Saudades” dá vida e personalidade àquelas pessoas tão estereotipadas na mídia e na vida em geral.

(*) Raquel Gandra é repórter cultural da Revista Consciência.Net na área de cinema.



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