Resenha cultural: Estômago

(...) A participação de Paulo Miklos não passa despercebida e João Miguel está ótimo. Seu personagem vai crescendo nessa história fantástica, meio sombria, com momentos cômicos e de puro deleite. Por Raquel Gandra (*), da redação.

Mais um bom filme da safra brasileira. Mais um bom filme com João Miguel.

Estômago começa com uma longa apresentação de créditos, mas sem muitas informações sobre o passado do protagonista, Raimundo Nonato, apenas cenas dele andando por uma cidade não especificada, que poderia ser São Paulo, aparentemente perdido. Através dessas cenas e dos diálogos que se seguem, deduzimos que ele veio do Nordeste sem muitos planos, mas querendo trabalhar e fazer uma vida na “cidade grande”. Essa falta de contextualização acaba sendo ótima para o desenrolar do filme, que se trata de...

...um rapaz recém chegado, sem ter para onde ir ou o que comer, que é acolhido de forma um tanto não hospitaleira por um dono de boteco, para quem devia algo em torno de quatro reais por causa de duas cozinhas de galinha que comeu sem ter dinheiro para pagar. Em troca de moradia e alimento, Nonato começa a cozinhar e limpar no boteco e inesperadamente desenvolve uma ótima mão na cozinha. Esse novo dom descoberto acaba o levando a um restaurante mais chique, onde o gerente vai ensinar-lhe algumas das maiores lições da culinária.

As cenas da vida pós chegada são intercaladas com imagens de um aparente futuro numa prisão, sem sabermos como ou porque Nonato foi parar lá.

A história é muito bem construída pela montagem paralela, em que o espectador vai descobrindo aos poucos quem é Raimundo Nonato, porque ele está na cadeia e em que direção ele está indo. Isso possibilita as descobertas da trama num bom ritmo, tempo suficiente para gostarmos dele, nos apaixonarmos por ele, por sua meiguice e sagacidade ingênua.

A trilha sonora é interessante, com momentos de deleite através de uma música lenta e meio brega que é repetida ao longo do filme.

Há elementos de fantasia, como as situações geradas pelo protagonista ao deliciar seus companheiros de cela, seu relacionamento com a prostituta Íria, o seu próprio desenvolver na cozinha, etc.

A fotografia é meio escura, sem muitas cores, a não ser as dos alimentos ou das exageradas relacionadas ao mundo da prostituição e da “noite boêmia”. Não há grandes “frufrus” fotográficos: a câmera na mão estável, planos próximos dos personagens muito bem pensados para a construção da história e de nossa identificação com os mesmos.

Há várias cenas de observação, em que a música sobe e podemos acompanhar o desenvolvimento da trama através das imagens ou cenas em que o personagem de João Miguel narra em off. Algumas dessas são geniais, como a que ele está chegando na cadeia, a que ele descreve seus companheiros e as vantagens do segundo beliche, dentre outras. E claro as “duas” cenas finais.

Um probleminha que senti foi que a atmosfera de que todos eram brutos e falavam palavrões não me convenceu. Achei um pouco forçada essa tentativa de tornar TODOS durões e mal educados. Principalmente o personagem do gerente do restaurante, que tenta de todas as formas parecer alguém que, apesar da posição social e da áurea em torno de ser dono de um estabelecimento respeitado, é grosseiro e com valores mesquinhos. Algumas piadas até ficam perdidas no meio dessa tentativa absurda. Não me convenceu. Os melhores personagens realmente são os prisioneiros, que contrariamente conseguem manter uma ambigüidade coerente entre a personalidade durona e os momentos solidários e bem humorados.

A participação de Paulo Miklos não passa despercebida e João, como já falei, está ótimo. Seu personagem vai crescendo nessa história fantástica, meio sombria, com momentos cômicos e de puro deleite.

(*) Raquel Gandra é repórter cultural da Revista Consciência.Net na área de cinema.


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