Resenha cultural: Irina Palm

“Irina Palm” é um filme que consegue se manter razoavelmente neutro: não julga moralmente as decisões de Maggie. Ao mesmo tempo em que nos enojamos e sentimos pena dela, empatizamos com sua situação, entendemos suas motivações e até mesmo apreciamos certas reviravoltas em sua vida. Por Raquel Gandra (*), da redação.

“Irina Palm” é um filme sobre uma mulher viúva, em seus cinquenta anos, que, vivendo uma vida pacata, vazia, costumeira, sem grandes acontecimentos e conservadora, vê sua família em dificuldades. Uma doença rara acomete seu neto e exige um tratamento específico e caro. Felizmente os médicos conseguem colocar o menino num programa de tratamento gratuito, mas na Austrália. O que significa que os gastos de viagem e hospedagem terão que ser pagos pela família. Para piorar a situação, tempo é algo crucial para a vida do menininho. Num prazo de algumas semanas, será tarde demais para este poder viajar.

A partir daí, essa mulher, que até então “não sabia fazer nada”, como dizem suas “amigas”, tem que se virar pra conseguir esse dinheiro seja lá onde for. Após vários empréstimos recusados, tentativas frustradas de emprego e decepções, ela entra num local que diz necessitar urgentemente de secretária. Atordoada, Maggie (nome da personagem que mais tarde será conhecida como Irina) entra, para só depois descobrir que aquele era um local de homens (clube de strip e coisitas mais...) e que secretária era eufemismo para, com o perdão da palavra, punheteira.

Apesar da temática sugestiva, o filme se mantem sem grandes cenas explícitas ou de “mau gosto”, o que, além de interessante e mais rico para o filme, vai de acordo com a própria personagem: faz, mas não vê completamente. Às vezes, e principalmente no início do filme, este se torna um pouco lento, arrastado, mas a entrada dela nessa nova vida dá uma sacudidela em ambos, filme e personagem.

Maggie passa a se apreciar mais, se valorizar, mesmo que de uma forma inesperada. O que começa como algo nojento e degradante passa a ser uma profissão capaz de lhe dar um bom dinheiro e uma função na qual ela é muito boa. Seu novo dia-a-dia a afasta de suas antigas amigas, mulheres esnobes e preconceituosas com quem passava a maior parte de suas tardes.

A fotografia é escura, indo de encontro com a vida incolor daquela família classe média baixa em crise, aquela sociedade meio decadente em que avós e mães de família têm que se rebaixar a funções cretinas para sustentar ou ajudar seus entes queridos.

“Irina Palm” consegue se manter razoavelmente neutro, ou melhor, não julga moralmente as decisões de Maggie, deixando para o espectador determinar se tais atitudes são certas ou erradas. Há uma ambigüidade interessante: ao mesmo tempo em que nos enojamos e sentimos pena dela, simpatizamos com sua situação, entendemos suas motivações e até mesmo apreciamos certas reviravoltas em sua vida.

O filme apresenta um panorama triste dessa cidade londrina: tanto seus pós-aristocratas conservadores medíocres quanto seus neo-operários patéticos dão uma noção escura aos seus arredores. Entretanto o filme consegue dar um “glimpse”, um estalo de esperança, havendo situações cômicas e até mesmo um relacionamento envolvente entre “Irina” e seu “cafetão”.

Se o filme soubesse explorar melhor os tempos vazios, seria melhor, creio. Mas do jeito que está já é uma história que vale a pena ser vista.

Ficha técnica:

Irina Palm (Bélgica, Luxemburgo, Inglaterra, Alemanha e França, 2006, 103 minutos)
Diretor: Sam Garbarski
Roteiro: Philippe Blasband, Sam Garbarski, Martin Herron
Fotografia: Christophe Beaucarne
Montagem: Ludo Troch
Música: Ghinzu
Elenco: Marianne Faithfull, Miki Manojlovic, Kevin Bishop, Siobhan Hewlett, Dorka Gryllus, Jenny Agutter
Produtor: Shu Aiello
Produtora: Entre Chien et Loup
Distribuição internacional: Pyramide International

(*) Raquel Gandra é repórter cultural da Revista Consciência.Net na área de cinema. Clique na imagem para assistir o trailer.


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