Resenha cultural: Sonho de Cassandra

“Sonho de Cassandra”, filme de Woody Allen mais recente a estrear no Brasil, é perturbador e excitante. O diretor explora muito bem a ironia nessa história de humor negro, ambição, tropeções e tragédia. Por Raquel Gandra (*), da redação.

“Sonho de Cassandra”, filme de Woody Allen mais recente a estrear no Brasil, é inteiramente baseado na ironia. Na ironia da vida e do destino. Neste sentido, o filme segue a linha de “Match Point”.

Em “Match Point”, um jovem ambicioso, instrutor de tênis, entra em ascensão quando se casa com uma mulher rica. Apesar de sua mais nova posição adquirida na alta sociedade, ele não se vê satisfeito e conquista uma moça irresistível, freqüentadora do grupo de amigos da família. Tudo parece estar indo bem, até que ele engravida a moça e esta exige atitudes. Numa decisão drástica, o personagem interpretado por Jonathan Rhys Meyers decide matá-la e, ao fazê-lo, comete alguns erros que normalmente seriam fatais para sua descoberta como autor do crime. Entretanto, aí vem a ironia que prometi, ninguém descobre. Ele vira um suspeito sim e o chefe de polícia até mesmo sonha com o resultado certeiro, com a solução das investigações, mas mais uma vez isso é deixado de lado. Todos os grandes acontecimentos do filme dependem do acaso: a velha ser atacada, o anel que não cai no rio, e assim por diante.

Em “Sonho de Cassandra”, dois irmãos também ambiciosos se vêem endividados e pedem ajuda do tio rico, ausente, mas admirado e tido como o exemplo de sucesso da família. Apesar do tio já ter ajudado os “meninos” em outros momentos no passado, dessa vez será diferente. Ele pede algo em troca. Algo não tão fácil de se fazer.

Tudo ocorre em torno do acaso e da sorte. O irmão mais velho, interpretado por Colin Farrell, vive apostando e passa o início todo do filme numa grande maré de sorte, até que o destino vira o jogo e ele se endivida mais do que poderia imaginar. Já o outro, interpretado por Ewan Mcgregor, conhece o que ele pensa ser a mulher de sua vida (que é por sinal custosa e interessada em estabilidade financeira) devido a um carro quebrado no meio da estrada. Há também o elemento do sonho e da loucura, representados pelo barco que os irmãos compram no começo da história, o qual nomeiam “sonho de Cassandra” em homenagem ao cachorro com o qual Terry (Colin Farrell) ganhou na corrida o dinheiro necessário para comprá-lo (sendo este nome e símbolo de sorte um dos elementos mais trágicos e irônicos da história) e pela crise nervosa pela qual o mesmo passará, o impedindo até mesmo de dormir direito.

Como em Match Point, essa almejada inserção na alta sociedade é um fator importante para os personagens, mas principalmente para Ian (Ewan McGregor), que finge ser alguém de sucesso, pegando carros chiques e caros emprestados da loja de mecânica onde seu irmão trabalha.

A trilha sonora de Phillip Glass gera o clima de tensão e expectativa convenientes a narrativa. A fotografia é escura, em tons bem londrinos, lembrando o clima “foggy”, o nublado constante, e o próprio caráter do filme de drama misturado com humor negro. Os atores estão ótimos.

Mais uma vez, do momento em que os protagonistas decidem seguir com o plano, nós acompanhamos as dificuldades impostas pelo acaso para que a ação se complete. A partir daí, quando tudo parecia ter dado certo, a consciência, ironicamente, intervém na história para gerar arrependimento e crises moralistas. Nesse processo vemos a decadência dos personagens, que passarão de “terem resolvido seus problemas” para “terem criado outros maiores ainda”.

“Sonho de Cassandra” é perturbador e excitante, pois podemos ver para onde o filme está se encaminhando, mas não podemos fazer nada. Enfim, Woody Allen explora muito bem a ironia nessa história de humor negro, ambição, tropeções e tragédia.

(*) Raquel Gandra é repórter cultural da Revista Consciência.Net na área de cinema.


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