Resenha cultural: A Banda

Ao longo do filme vemos muito poucos personagens além dos que nos foram apresentados no começo. Isso, além das histórias que envolvem esses personagens tão singelos e verdadeiros, nos oferece uma história simples e genuína. Por Raquel Gandra (*), da redação.

"A Banda" é uma produção israelense, com alguma ajuda francesa e americana, dirigida pelo diretor Eran Kolirin.

Uma banda da academia de polícia egípcia é convidada para tocar na abertura de um centro cultural em Israel. Mas devido a alguns desentendimentos, acabam indo parar em uma outra cidade, árida e desértica. O regente da banda, formada por oito músicos, é um homem sério, amargurado e solitário e sua relação com os outros membros não parece muito bem resolvida. Dos outros se destacam o mais jovem do grupo, um "woman’s man" que tem problemas em seguir ordens e um tímido, "loser", que parece ser o único que consegue lidar minimamente com o líder rabugento.

Ao chegarem nessa cidadezinha perdida no meio do nada, dão de cara com um restaurante, que parece ser o único lugar habitado das redondezas. Nele, encontram uma mulher, dona do estabelecimento e dois rapazes, um desempregado e um mais jovem que não parece ter muitas expectativas. Algo como aquelas pessoas do clássico de Spike Lee “Faça a coisa certa”, parados na calçada olhando o dia passar.

A atmosfera do filme é toda criada para que percebamos a solidão, o constrangimento, a infelicidade e a iniqüidade da vida daquelas pessoas. Em questão de fotografia, há muitos planos parados, alterando entre closes e planos abertos, onde os personagens normalmente aparecem sozinhos na tela e perdidos no centro do quadro, como quando queremos mostrar alguém desconcertado. Primeiro vemos ela por inteiro em meio àquele contexto que a “oprime” para depois vermos sua expressão, normalmente parada, como que desentendida.

As paisagens desérticas, as cores neutras como azul, bege e cinza e as luzes pálidas ajudam a dar o clima que mencionei. Essa tendência começa a mudar com o surgimento de novas personagens, como Dina. A narrativa tem um ritmo lento, mais uma vez correspondendo a algo que parece o próprio raciocínio daqueles personagens, meio parados no tempo, parados em suas vidas. Seja o músico que tenta terminar sua sinfonia há anos, o regente que não consegue deixar seu passado para trás ou um dos israelenses que está desempregado há um ano e cujo relacionamento com sua mulher está indo de mal a pior.

A trilha sonora também tem forte participação na atmosfera da história. Algumas pinceladas de músicas instrumentais e melancólicas pontuam alguns momentos do filme, ajudando a marcar, também pela sua ausência em grande parte das cenas, a questão da solidão, da suspensão no tempo desses personagens.

O encontro dessas duas culturas diferentes interfere nas vidas de todos mutuamente. Não há uma grande mudança redentora no final, como se teria num roteiro hollywoodiano, mas há algumas sutis reconfigurações nas suas vidas, mesmo que apenas em forma de esperança.

A música é a questão central de “A Banda”. Ela que passa por todas as relações pessoais, muitas vezes os unindo ou gerando significados. É lindo observar o poder dessa linguagem que não precisa de tradução para ser entendida. Basta o ritmo, o som e a voz. Seja na cena do restaurante, em que o israelense se impressiona com um pedaço de composição de um dos músicos, gerando uma simpatia instantânea. Ou o momento em que todos os homens que estão jantando cantam “Summertime” desafinadamente. Ou a fixação do membro mais jovem da banda por Chet Baker, que fica perguntando a todos se conhecem o músico e depois canta "My Funny Valentine" na tentativa de conquistar mulheres, mas que ao invés disso consegue algo muito mais significativo.

A atriz do filme, Ronit Elkabetz, tem olhos lindíssimos e consegue iluminar a tela com a presença de espírito de sua personagem cheia de audácia e carisma. Os outros também estão muito bem e passam a condição um pouco ridícula, ainda que carinhosamente de seus personagens. Todos eles têm problemas. E isso os torna muito mais reais e interessantes.

Simpatizamos com suas situações. Como o rapaz que não sabe paquerar, ou o que fica horas ao lado de um orelhão esperando um telefonema de sua namorada, ou o homem casado há anos que discute com sua mulher sobre o momento em que teriam se apaixonado. O que nos leva ao próximo tópico.

Além das relações humanas apresentadas, das mudanças do percurso natural de suas vidas em conseqüência desse encontro e do papel da música, o humor também é central. Um humor seco, lento e de observação que depende do ritmo apresentado para conseguir ser captado. A excentricidade é definitiva para esse tipo de humor. Desde os uniformes azuis com seus chapéus, que os tornam deslocados visualmente já de imediato e que os tiram do comum, até os personagens secundários que quase nunca aparecem, mas conseguem ser importantes para a narrativa.

Como o velhinho, da banda, que só aparece em planos fechados quando está parado fumando com uma expressão séria, digna de filmes western dos anos 60 e deixando a vista sua grande unha do mindinho. Só isso, só de vermos este velho sentado fumando, sorrimos. E assim, percebemos a importância do diferente, do estranho para a ambientação e a graça do filme.

É interessante o modo como o diretor consegue nos fazer rir ternamente. Não é um riso de escárnio, mas sim um riso que pode facilmente se transformar em lágrima dependendo do momento.

Ao longo do filme vemos muito poucos personagens além dos que nos foram apresentados no começo. Isso, mais a decupagem que dispensa grandes movimentos de câmera, maquinário e equipamentos de luz, além das histórias que envolvem esses personagens tão singelos e verdadeiros, nos oferece uma história simples e genuína. Um filme que nos é apresentado como ele é, sem grandes apresentações ou expectativas. Um filme real.

Veja o trailer em inglês:


(*) Raquel Gandra é repórter cultural da Revista Consciência.Net na área de cinema.



_______________________________________
www.consciencia.net

Nenhum comentário: