Resenha cultural: Cleópatra

Cleópatra de Julio Bressane é um filme de imagens, de luz, de sombras. Cenas se transformam em quadros e cores em pinceladas de tinta. Por Raquel Gandra (*), da redação.

Cleópatra de Julio Bressane é um filme de imagens, de luz, de sombras. Como em outros de seus filmes, cenas se transformam em quadros e cores em pinceladas de tinta. Contando, para isso, com a maestria de Walter Carvalho na direção de fotografia e com uma tela cinemascope muito bem preenchida.

A história de Cleópatra é narrada desde seu encontro com Julio César, interpretado por um canastrão Miguel Falabella, passando por sua paixão por Marco Antonio, até sua polêmica morte.

O diretor escolheu seguir um caminho mais ligado à sexualidade desses personagens históricos. Digo históricos, por terem existido, mas não num sentido de exigência de verossimilhança, pois em realidade, nenhum de nós saberia dizer como eles realmente eram e como os eventos históricos realmente se sucederam.

Mas é fácil imaginar, e o filme nos seduz nesse sentido, que Cleópatra devia ser deslumbrante, exalando sexualidade, desde seus 16 anos, na flor da idade. E presumivelmente, nem César, nem Marco Antonio resistiram aos seus encantos, ao seu cosmos estrelado.

Ela se diferenciava das outras mulheres por diversos motivos, como podemos ver no filme. Por ser uma rainha, por ser de outra cultura, a cultura grega com seus costumes e sua maior liberdade, por ser inteligente e culta, dentre outros. Porém, nada disso desmerece o poder da atração sexual exercido por ela. A Cleópatra de Julio Bressane conhecia muito bem seu corpo e seu poder como mulher, algo extremamente atraente e perigoso, fatal para esses dois imperadores romanos.

Alessandra Negrini interpreta uma mulher que em momentos se parece com uma deusa realmente: confiante e indestrutível, e em outros, demonstra sentimentos mundanos, como ciúmes, inseguranças e dor. Apesar de uma pronúncia exagerada escolhida pela atriz em sua atuação, que ao meu ver é um tanto quanto incômoda de vez em quando, consegui ver Cleópatra. Tal aspecto não atrapalhou minha percepção de uma personagem complexa que se desenvolve ao longo do filme. Podemos ver seu amadurecimento, seu ascender e sua decadência, até chegarmos numa Cleópatra abatida, desiludida e cínica, na Cleópatra mulher.

Além de algo como pintura, há muita teatralidade no filme. As luzes não são diegéticas, não tentam recriar um lugar verossimilhante, não é naturalista. Talvez realista, numa tentativa de dar uma noção de “realidade” espacial, ao mesmo tempo em que levando os espectadores a penetrar as emoções dos personagens, os encaminhando para o efeito dramático desejado. Uma luz que exacerba as sensações. Não é sutil, não faz questão de se esconder em origens descritas, em fontes confiáveis que comprovem sua existência. Uma luz que se modifica de acordo com os interesses da cena e que sabe valorizar aspectos como adornos, cenários, roupas e mudança de humores.

Diversas “divagações” da câmera ajudam a penetrarmos na história. Sejam as várias facetas de Cleópatra; sua prisão e primeira real demonstração de fraqueza no túnel; a morte de Julio César; a fumaça lírica que parece dançar em câmera lenta; as inversões na montagem, etc.

Apesar da teatralidade funcionar muito bem na fotografia, na atuação e em outros aspectos não compõe um quadro tão degustável. Algumas escolhas como transições abruptas ou dublagens não sincadas podem incomodar, mas não atrapalham o decorrer narrativo do filme.

A atuação de Bruno Garcia está ótima. Parece-me que ele conseguiu consideravelmente sair do formato teatral que ficou generalizado em muitas das cenas. Assim como outros atores como Tuca Andrada, que ilumina a tela quando aparece.

Não é um filme simples. Não é corriqueiro. Não é uma narrativa linear explicadinha. Entretanto, tirando alguns dos aspectos que mencionei que podem gerar incômodo, há uma seqüência de acontecimentos que são facilmente identificados e que, de forma lírica, nos disponibiliza a história. Há muitos simbolismos, muitas sutilezas, muitos murmúrios. Mas esses só servem para enriquecer.

Pra mim foi ótimo ver um filme brasileiro que se dispôs a contar a história dessas figuras míticas, já contadas por grandes escritores como Shakespeare e que já impressionaram por sua grandeza, muitas vezes retratadas em filmes hollywoodianos. “Cleópatra” consegue passar essa história tantas vezes vista e contada de forma criativa, bela, sedutora e simples, já que não foi necessária uma superprodução com milhares de figurantes, locações... É bom ver o que o cinema é capaz de fazer quando ele se dispõe.

Veja o trailer:


(*) Raquel Gandra é repórter cultural da Revista Consciência.Net na área de cinema.



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