Prenúncio II

“Prenúncio!” está dividido em seis prenúncios e o epílogo. Divulgaremos um por semana neste mesmo espaço. Todos estão reunidos no marcador abaixo. Poema de Roberto Peixoto, poeta popular


Eu vi o menino descendo pela encosta da montanha,
ladeira a baixo,
numa carreira que só a ele só apetecia.
Eu vi a sua mãe,
da porta da cozinha daquilo que chamavam de casa,
a gritar-lhe pelo nome com uma ordem em seguida lhe mandando que tomasse primeiro o seu café moído em casa,
com um pedaço de angu frito.
Eu vi!
Eu vi esse menino,
respondendo a mãe que café tomava na volta,
porque ia mergulhar no riachão.
Isso eu vi.
Eu vi o Totó,
seu cachorro vira lata,
que corria feliz atrás do menino abanando o seu rabo com satisfação.
Eu vi o Anú pousar num galho da amendoeira,
onde uma borboleta estava pousada;
e ví a borboleta alçar vôo apressada como que se fugisse do agouro do Anú.
Eu vi o caçador,
seu pai,
que prostrado entre arbustos,
já ao pé da montanha,
mirava com a sua espingarda um porco do mato.
Eu vi o disparo.
E vi também o fogo saindo do cano da espingarda.
Eu vi a brisa provocada pelo vento parar...
E vi que os pássaros já não cantavam,
que toda a natureza parava num silêncio mórbido e sinistro.
Eu vi ...
Eu vi o menino,
passando nesse momento,
correndo feliz;
o Totó,
eu não vi mais;
entre o caçador e a caça.
Eu vi que com a natureza naquele momento silenciosa,
e em completo estado de inércia,
que o Anú,
era o único que mexia as asas e cantava.
Eu vi a bala da espingarda entrando na cabeça do menino,
e o seu miolo sendo expelido com sangue sujando o caminho de terra pelo qual descera.
Eu vi o menino,
caindo morto,
como um castigo ao seu pai,
o caçador de animais;
isso,
eu vi também.
E vi que o seu pai,
o caçador de animais,
caiu de joelhos aos prantos e gritando aos céus perguntava:
- Oh Deus,
o que foi que eu fiz de errado?
Eu vi nesse momento toda a natureza sair do estado de inércia fazendo coro com o Anú.
Eu vi.



(*) O poeta popular Roberto Peixoto costuma ser visto na Lapa. Colabora com a Revista Consciência.Net desde 2005. Participa também do “Corujão da Poesia”, que acontece todas as terças-feiras, de meia-noite em diante, na livraria Letras e Expressões do Leblon. Contato: poetapeixoto@yahoo.com.br



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