Rio de Janeiro, março/2009 – Desde seu começo, no final dos anos 60, a Teologia da Libertação adotou uma perspectiva global, focada na condição dos pobres e oprimidos do mundo inteiro, vítimas de um sistema que vive da exploração do trabalho e da depredação da natureza. Este sistema explora as classes trabalhadoras e as nações mais fracas. E, além disso, reprime os que oprime e, portanto, contraria seus próprios sentimentos humanitários. Em uma palavra, todos devem ser libertados de um sistema que perdura há pelo menos três séculos e foi imposto em todo o planeta.
A Teologia da Libertação é a primeira teologia moderna que assumiu o objetivo global de pensar o destino da humanidade desde a condição das vítimas. Em consequência, sua primeira opção é se comprometer com os pobres, a vida e a liberdade para todos. Surgiu na periferia das Igrejas centrais, não nos centros metropolitanos do pensamento consagrado. Por essa origem, sempre foi considerada suspeita pelos teólogos acadêmicos e principalmente pelas burocracias eclesiásticas e da Igreja mais importante, a romano-católica.
De seu berço na América Latina, a Teologia da Libertação passou para a África, estendeu-se à Ásia e também a setores do primeiro mundo identificados com a solidariedade e os direitos humanos dos mais pobres. A pobreza entendida como opressão revela muitas faces: a dos indígenas que desde sua sabedoria ancestral conceberam uma fecunda teologia da libertação indígena, a teologia negra da libertação que resiste às marcas dolorosas deixadas nas nações que foram escravistas, a das mulheres submetidas desde a era neolítica à dominação patriarcal, a dos operários usados como combustível da máquina produtiva. A cada opressão concreta corresponde uma libertação concreta.
A questão teológica de base que até agora não acabamos de responder é: como anunciar de maneira crível um Deus que é um Pai bondoso em um mundo abarrotado de miseráveis? Só tem sentido se implicar a transformação deste mundo, de maneira que os miseráveis deixem de gritar. Para que uma mudança semelhante tenha lugar, eles próprios têm de tomar consciência, se organizar e começar uma prática política de transformação e libertação social. Como em grande parte os pobres em nossos países eram cristãos, se tratava de fazer da fé um fator de libertação.
As Igrejas, que se sentem herdeiras de Jesus, que foi um pobre que não morreu de velhice, mas na cruz como consequência de seu compromisso com Deus e com sua Justiça, seriam as aliadas naturais deste movimento de cristãos pobres. Este apoio se verificou em muitas igrejas nas quais havia bispos e cardeais proféticos como Helder Câmara e Paulo Evaristo Arns no Brasil, Arnulfo Romero em El Salvador, e muitos outros, assim como numerosos sacerdotes, religiosos e religiosas e laicos comprometidos politicamente.
Em razão de sua causa universal, já no início da década de 70, a Teologia da Libertação era um movimento internacional e convocava verdadeiros fóruns teológicos mundiais. Estabeleceu-se um conselho editorial integrado por mais de cem teólogos latino-americanos para compilar uma sistematização teológica a partir da perspectiva da libertação em 53 tomos. Já havia 13 tomos publicados quando o Vaticano interveio para abortar o projeto. O então cardeal Joseph Ratzinger foi rigoroso. Cortou pela raiz um trabalho promissor e benéfico para todas as igrejas periféricas e especialmente para os pobres. Passará à história como o cardeal – e depois papa – inimigo da inteligência dos pobres.
A Teologia da Libertação criou uma cultura política. Ajudou a formar organizações sociais como o Movimento dos Sem-Terra, a Pastoral Indígena, o Movimento Negro e foi fundamental na criação do Partido dos Trabalhadores no Brasil, cujo líder, o presidente Lula, sempre se reconheceu na Teologia da Libertação.
Hoje em dia, esta teologia transcendeu os limites confessionais das igrejas e se converteu em uma força político-social. Além de Lula, identificam-se publicamente com a Teologia da Libertação os presidentes Rafael Correa, do Equador; o ex-bispo Fernando Lago, do Paraguai; Daniel Ortega, da Nicarágua, e Hugo Chávez, da Venezuela, além do atual presidente da Assembléia das Nações Unidas, o sacerdote nicaragüense Miguel D’Escoto. Sua força maior não reside nas cátedras dos teólogos, mas nas inumeráveis comunidades eclesiásticas de base (só no Brasil existem cerca de cem mil), nos milhares e milhares de círculos nos quais se lê a Bíblia no contexto da opressão social e nas chamadas pastorais sociais.
Roma incorre na profunda ilusão de crer que com seus documentos doutrinários emitidos por burocracias frias e distantes da vida concreta dos fieis conseguirá frear a Teologia da Libertação. Ela nasceu ouvindo o grito dos pobres e hoje a comove o grito da Terra. Enquanto os pobres continuarem se lamentando e a Terra gemendo sob a virulência consumista, haverá mil razões para sentir o chamado de uma interpretação libertária e revolucionária dos evangelhos. A Teologia da Libertação é a resposta a uma realidade injusta e salva a Igreja central de sua alienação e de um certo cinismo.
* Leonardo Boff é teólogo e co-autor da Carta da Terra.
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