Caso Battisti: sobre suicidas e covardes

Celso Lungaretti

A imprensa brasileira destaca que o escritor Cesare Battisti, em entrevista concedida à rede de TV franco-alemã Arte, admitiu a possibilidade de suicídio caso prevalecesse a hipótese (cada vez mais remota) de sua extradição para a Itália: "Não voltarei para a Itália, não chegarei vivo à Itália, tenho medo demais de chegar à Itália. Se há uma coisa que ainda é possível escolher, é o momento de sua própria morte", disse.

Isto dá uma boa idéia do estrago mental que a incerteza e a detenção injusta impostas pelo Supremo Tribunal Federal ao perseguido político italiano estão lhe causando -- a ponto de cogitar um ato extremo num momento em que tem fundados motivos para estar esperançoso.

Afinal, em parecer recentemente enviado ao STF, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, reiterou que o desfecho óbvio do caso tem de ser o arquivamento do processo de extradição movido pela Itália, pois é o que estabelece a lei vigente e a jurisprudência resultante das decisões adotadas pelo Supremo em processos idênticos.

Ademais, Souza avaliou como ilegítimo e, portanto, inaceitável o mandado de segurança com que a Itália tenta deter os efeitos da concessão de refúgio humanitário a Battisti, por ato legítimo e soberano do ministro da Justiça Tarso Genro.

Assim, a recomendação do procurador-geral foi taxativa: o processo deve ser extinto sem julgamento e Battisti, libertado.

E tanto o Conselho Nacional para Refugiados quanto o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados já manifestaram sua discordância com a hipótese de o STF usurpar do Exécutivo o papel que a Lei do Refúgio brasileira lhe confere, em consonância com suas congêneres dos demais países: a de instância final na decisão desses casos.

O primeiro alertou que o Supremo não tem os instrumentos ideais para cuidar de refúgio.

A ONU, por sua vez, teme que outros países recorrem às Cortes Supremas de nações que já concederam o refúgio, a exemplo do que está ocorrendo no Brasil. Se a tentativa de virada de mesa fosse bem sucedida, outros refugiados estariam ameaçados e a instituição do refúgio sofreria óbvio esvaziamento.

Por que Battisti ainda teme? Porque está sendo submetido a uma verdadeira tortura psicológica por parte do STF, que não só ordenou sua discutível prisão em 2007, como o mantém detido quatro meses depois do dia em deveria ter sido libertado: aquele em que a decisão de Genro foi publicada no Diário Oficial. O efeito cumulativo de mais de dois anos de justa indignação e esperanças frustradas é devastador.

Para atuais e antigos militantes revolucionários, a morte é sempre preferível à desonra, pois quem faz História tem, como último patrimônio, a imagem que deixará para a posteridade.

Enfrentei situações igualmente desesperadoras e sei do que estou falando: ante a possibilidade de perdermos uma batalha decisiva, preferimos a vitória na derrota proporcionada pelo suicídio do que submetermo-nos a decisões injustas.

Então, repudio veementemente a afirmação infame de Wálter Fanganiello Maierovitch, segundo quem Battisti seria covarde para dar fim à vida.

Devolvo-lhe a acusação: sendo adulto e jurista quando usurpadores do poder praticavam as piores atrocidades durante a ditadura militar, Maierovitch foi covarde a ponto de deixar meninos como eu e meus companheiros secundaristas sermos massacrados em nome da liberdade, enquanto tratava de preservar-se para dias melhores.

O momento de comprovar valentia passou. E Maierovitch o desperdiçou.

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