A Política, de Aristóteles

por Antonio Ozaí da Silva

A Política, de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), escrita há mais de dois mil anos, é uma obra atualíssima. Isso, apesar do tempo que nos separa e das transformações radicais pelas quais passaram as sociedades humanas nestes séculos.

A Política, é sobre a vida na Pólis e tudo o que esta envolve. Quem governa e quem é governado? Como escolher os governantes? Quem é cidadão?[1] Qual a melhor forma de governo? Quais os fatores que levam à degeneração política? Como manter a ordem social diante das diversas classes que compõem a pólis? Qual a finalidade do Estado? As respostas, ilustradas por exemplos, mostra que muitos dos dilemas dos homens e mulheres da Grécia antiga são também os nossos.

A obra tem a marca do tempo-espaço em que viveu o Estagirita.[2] Todo autor, em menor ou maior grau, também é prisioneiro de seu tempo. Talvez isto explique as posições aristotélicas sobre o papel das mulheres, as restrições à cidadania dos trabalhadores manuais e a sua justificação da escravidão.

Como leitor, não posso concordar. Especialmente, quando ele fundamenta sua argumentação nas “leis da natureza”. Assim, uns nascem para obedecer e outros para comandar, uns para trabalharem e outros para governarem, uns para serem senhores e outros para escravos. “Pertence ao desígnio da natureza”, afirma Aristóteles, “que comande quem pode, por sua inteligência, tudo prover e, pelo contrário, que obedeça quem não possa contribuir para a prosperidade comum a não ser pelo trabalho de seu corpo. Essa partilha é salutar para o senhor e para o escravo” (p. 2).

O escravo é propriedade da casa e parte do senhor. Ele não se pertence, e, portanto, não pode ser outra coisa senão escravo por natureza, equivalente ao boi da família. E a mulher? Sua condição, diz o Estagirita, difere do escravo. Mas, como este, ela deve se submeter ao senhor. “Em todas as espécies, o macho é evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção”, sentencia (p.13). Escravos e mulheres são considerados inferiores e devem ser submissos. É a lei da natureza: “há homens feitos para a liberdade e outros para a servidão, os quais, tanto por justiça quanto por interesse, convém que sirvam” (p.15).

O macho livre é senhor dos escravos e da sua família. No âmbito doméstico deve reinar como um monarca absoluto. Sua condição de homem livre é o atributo para o exercício da cidadania, da participação no governo civil; cidadão na pólis, déspota no governo doméstico. Ele comanda. A virtude da mulher consiste “em vencer a dificuldade de obedecer” e a do escravo em “bem fazer o seu serviço” (p.36).

A família natural é parte do Estado, o qual tem a responsabilidade de educar as crianças e mulheres. A felicidade do Estado depende dessa educação, isto é, de cuidar para que elas sejam virtuosas – no sentido da virtude esperada da mulher. As crianças devem ser educadas enquanto futuros cidadãos, partícipes do governo dos negócios públicos, e senhores de suas mulheres e escravos.

Para bem cumprir sua finalidade, o Estado também deve cuidar da eugenia: o corpo, os casamentos, nascimentos, etc. A saúde do Estado depende da saúde e perfeição dos corpos dos seus cidadãos. O legislador deve preocupar-se com o controle dos corpos.[3]

Quem sabe, a argumentação do filósofo sobre a mulher, os escravos, a educação e a eugenia encontre adeptos. Não há os que concordam com idéia da superioridade natural masculina? Por outro lado, o poder econômico de uns não resulta em ver os outros como inferiores, uma nova categoria de escravos? E o preconceito e racismo também não se alimentam de idéias fundadas na eugenia? Ou estou equivocado? Aristóteles permanece atual, em todos os sentidos.

__________
[1] “O que constitui propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de voto nas Assembléias e de participação no exercício do poder público em sua pátria”, escreve Aristóteles. (p.42). A edição citada aqui é a publicada pela Martins Fontes (São Paulo, 2002).
[2] Aristóteles nasceu em Estagiros, cidade da Trácia fundada por colonos gregos no lugar onde hoje se situa Stavro, na costa setentrional do mar Egeu. Daí o termo “Estagirita”
[3] Para Aristóteles, o legislador “deve imprimir profundamente no espírito de seu povo que o que é muito bom para cada um em particular também o é para o Estado” (p.67). Ele deve “cuidar antes de tudo da boa conformação do corpo dos súditos que deverá criar, cabe-lhe por bem regular os casamentos, determinando a idade e a compleição dos que julgar admissíveis na sociedade conjugal” (p. 70). Aristóteles proporá várias medidas, desde a melhor idade para o casamento (homens e mulheres), a época propícia para o sexo, os cuidados com a gravidez e o parto, limite de filhos e a defesa do aborto, etc. (Ver o Livro II, p. 70-74).

Nenhum comentário: