Celso Lungaretti
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) encaminhou documento aos ministros do Supremo Tribunal Federal alertando-os de que a decisão a ser por eles tomada no caso do escritor e perseguido político italiano Cesare Battisti "pode influenciar a maneira pela qual as autoridades de outros países aplicam a definição de refugiado e lidam com casos de extradição que envolvam refugiados reconhecidos formalmente".
Ou seja: o Brasil, por meio do Ministério da Justiça, já concedeu o refúgio humanitário a Battisti; se o STF modificar esta decisão, poderá estimular outros países a reabrirem casos igualmente finalizados.
O Acnur, enfim, teme que o Brasil descumpra a regra prevista na convenção da ONU de 1951, por ele ratificada, que impede a extradição de refugiados, pois isto abriria um precedente negativo capaz de desencadear um retrocesso em escala mais ampla.
O receio é compartilhado pelo presidente do Comitê Nacional para Refugiados, Luiz Paulo Barreto. Segundo ele, se tomar neste caso uma decisão diferente da que vinha adotando em todos os episódios semelhantes, o STF substituirá o Ministério da Justiça como última instância nos processos de refúgio humanitário, sem ser a instituição mais apta para cumprir tal função:
- Nem sempre o Judiciário tem condições de avaliar todos os detalhes de um processo de refúgio. P. ex., no caso do Sudão, da Eritreia, da República Democrática do Congo, o Supremo tem condições de saber que neste momento e nesses países há perseguição? Talvez não, porque o Supremo não é órgão especializado para dar refúgio.
A avaliação do Conare é idêntica à do Acnur: até agora não tem havido o apelo às Cortes Supremas nas nações que admitem o refúgio humanitário porque a lei impede a entrega de refugiados e estabelece que os processos de extradição são arquivados quando há o reconhecimento do refúgio pelo Executivo; uma reviravolta no enfoque da questão por parte do STF poderá levar mais países a recorrerem ao Judiciário, debilitando internacionalmente a instituição do refúgio.
Fui dos primeiros a alertar para as consequências nefastas dos malabarismos propostos pelo presidente do Supremo, num artigo de janeiro: Gilmar Mendes quer que STF usurpe prerrogativa do Executivo ( http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/01/gilmar-mendes-quer-que-stf-usurpe.html ). Está lá:
"Será a segunda tentativa que Gilmar Mendes fará, no sentido de convencer o STF a usurpar essa prerrogativa do Executivo: em 2007, (...) ele foi o único ministro a sustentar que o Supremo deveria discutir se os crimes atribuídos a Olivério Medina (...) eram políticos ou comuns.
"Na ocasião, o STF reconheceu que a decisão do governo brasileiro, concedendo o status de refugiado político a Medina, havia sido juridicamente perfeita (...).
"Mendes agora pedirá aos ministros do STF que voltem atrás no seu entendimento anterior (...).
"A Lei do Refúgio é claríssima, não dando margem a nenhum contorcionismo jurídico que possa compatibilizá-la com a pretensão de Mendes. O que ele quer, em última análise, é alterá-la em essência, o que não é nem nunca será atribuição do STF.
"Espera-se que os ministros do Supremo rejeitem mais uma vez o casuísmo proposto por Mendes."
O Conare espera a mesma coisa. O Acnur, idem. Assim como os cidadãos com sentimentos humanitários e espírito de justiça.
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