A mídia só pega os bagrinhos

A imprensa carioca parece ter despertado de um sono profundo. Após anos sem investigar com afinco a Assembléia Legislativa do RJ (com quem de tempos em tempos mantém relações um tanto quanto profícuas), de repente descobriu que havia funcionários fantasmas lotados em 12 gabinetes. Por Marcelo Salles, do Fazendo Media.

Nas barbas das eleições municipais, a ALERJ tomou conta do noticiário local por 40 dias seguidos. No dia em que foram cassados os mandatos de Jane Cozzolino (PTC) e Renata do Posto (PTB), todo mundo estava lá: jornais, rádios e emissoras de televisão. Um furgão da Globo garantia o sinal para a transmissão do RJTV ao vivo.

É difícil resistir a tanta sedução. Até mesmo parlamentares de esquerda emocionam-se diante da possibilidade de aparecer na mídia, sem perceber que muitas vezes fazem o jogo da direita ao atacarem o poder público. O resultado será sentido nas próximas eleições sempre que alguém disser que todo político é ladrão. Eis a lógica das corporações da mídia privada: vilipendiar a imagem de todo o Estado, quando na verdade essa responsabilidade deveria recair apenas sobre os maus administradores públicos. Tal como conseguiram associar socialismo à ditadura, agora os donos do capital associam o poder público à ineficiência, à roubalheira indiscriminada, à falta de ética generalizada.

Voltando à ALERJ. O que as corporações de mídia privada não informam a seus leitores, ouvintes e telespectadores – e você que acompanha o fazendomedia.com vai ficar sabendo – são as ligações dos deputados envolvidos em atividades ilícitas com o governador Sérgio Cabral, do PMDB, que nas eleições de outubro vai apoiar Alessandro Molon (PT) para a Prefeitura do Rio. O fato é que essas ligações vêm sendo sistematicamente omitidas pelas corporações de mídia, sobretudo pelos veículos pertencentes às Organizações Globo.

Duas dessas ligações já foram comentadas aqui. Dia 3 de março, sob o título “A prefeita sem partido”, mostrei que o programa Fantástico, da TV Globo, omitiu deliberadamente o partido da prefeita Núbia Cozzolino. Adivinha qual? Ele mesmo, o PMDB de Cabral. Núbia é acusada pelo Ministério Público de crime eleitoral à frente da Prefeitura de Magé (RJ), base eleitoral das duas deputadas cassadas na ALERJ. As reportagens do "Globo" também são pródigas em não identificar o partido de algum parlamentar da base governista. Foi assim no final do ano passado, em que o deputado estadual Natalino e o vereador Jerominho apareceram sem partido (na época citei o caso aqui no blog, basta consultar o arquivo): PMDB e DEM, respectivamente o partido do governador do RJ Sérgio Cabral e do prefeito do Rio César Maia.

Outro dado relevante é o seguinte. O jornal Extra, que pertence às Organizações Globo, e a página eletrônica da ALERJ, divulgaram que o empresário Rômulo Costa, dono da Furacão 2000, entidade que controla o Funk no Rio, estava lotado no gabinete de Jane Cozzolino, a deputada do PTC que foi cassada no dia 1o de abril. O que essa mesma mídia não informou é que durante a última campanha eleitoral, o atual governador Sérgio Cabral, então candidato, fez pelo menos dois comícios nos palcos da Furacão 2000 para pedir voto às pessoas que vivem na periferia – a mesma que hoje ele trata à base de Caveirão e de abandono (sobretudo nas áreas de Saúde e Educação). Mas Cabral esteve lá na Furacão, a produtora de funk de Rômulo Costa, o chefe de gabinete da deputada cassada porque seus pares entenderam que ela estava roubando dinheiro público.

Só pra deixar claro: a responsabilidade dessa cobertura direcionada contra os bagrinhos e cega em relação aos tubarões é inteiramente da direção das empresas e de seus donos. Nunca dos repórteres. Esses têm apenas sua força de trabalho para vender e, na maioria das vezes, são pessoas bem intencionadas, buscam fazer o melhor jornalismo possível. Já a mídia grande está a serviço da exploração do povo brasileiro e do genocídio dos outros povos, seja porque assim lucram mais, seja porque têm nojo da pobreza. Ou alguém já viu uma reportagem mostrando que o salário mínimo é um absurdo? E outra revelando a real dimensão da carnificina promovida pelos EUA no Iraque?

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