A vitória de Barack Obama e o Brasil

A vitória de Barack Obama pode sugerir duas afirmações. A primeira é que os Estados Unidos não são tão racistas como parecem; A segunda, o Brasil é mais racista do que se imagina. A análise é de Paulo Rogério Nunes. Clique aqui para ler.

A vitória de Barack Obama pode sugerir duas afirmações. A primeira é que os Estados Unidos não são tão racistas como parecem; A segunda, o Brasil é mais racista do que se imagina. Durante anos, intelectuais brasileiros insistiam na afirmação de que o país era uma democracia racial, e que nossos vizinhos do norte, estes sim, eram racistas e segregadores. Tanto é assim que na década de 50 uma missão da Unesco visitou nosso país em busca da "fórmula mágica" da integração racial, sugerida por nossos dirigentes como única no mundo. A resposta não agradou aos pesquisadores.

Dos anos 50 para cá a conjuntura mudou. Com o movimento dos direitos civis e a implementação das ações afirmativas, a sociedade estadunidense foi, pouco a pouco, corrigindo as distorções sociais que qualificavam aquele país, corretamente, como um país apartado. A situação dos negros americanos não foi completamente resolvida até hoje, mas não há como negar o grandioso avanço na integração dos afro-americanos à economia. Se fossem um país, os afro-americanos seriam hoje a 11º economia do mundo.

Por aqui, não. Presos ao mito da democracia racial, ampliamos o abismo entre negros e não-negros e fomos aos poucos assumindo o posto de uma das nações mais desiguais do mundo. Segundo o relator especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, Doudou Diène, "viajar pelo país é como mover-se entre dois planetas".

A eleição de Obama é um retrato dessa diferença na abordagem anti-racista entre Brasil e Estados Unidos. A população afro-americana não passa de 12%, enquanto o nosso contingente beira os 50%. Apesar disso, ainda não foi criada no Brasil uma plataforma social capaz de inserir os afro-brasileiros nas esferas de poder, talvez o motivo de nunca termos cogitado um presidente negro, nem mesmo na ficção televisiva.

Um presidente não surge sem base social e econômica. Para Obama chegar aonde chegou foram cruciais as contribuições de negros que ocupam lugares de destaque, como empresários, jornalistas, acadêmicos e diplomatas, que chegaram a esses espaços impulsionados pelas ações afirmativas – aqui tão criticadas. Em entrevista à France Press, Berenice King, filha de Martin Luther King, principal ativista dos direitos civis que foi assassinado nos anos 60, disse que "o trabalho pelo qual meu pai e minha mãe se sacrificaram não foi em vão".

Para o Brasil, resta-nos refletir o motivo de não conseguimos realizar tal fato, já que nos consideramos "pouco racistas". O fenômeno Obama deve ser encarado como um marco para uma reflexão sobre nossas relações raciais. Sem um enfrentamento real dessas desigualdades, dificilmente poderemos nos orgulhar de nossa democracia e elegermos, no futuro, um presidente negro.

(*) Paulo Rogério Nunes, publicitário, especialista em Política e diretor do Instituto Mídia Étnica. Email: rogerio@midiaetnica.org / Site: www.correionago.com.br

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