* Pastor Batista atualmente desempregado (missiodei@ig.com.br), membro de NÓS TAMBÉM SOMOS IGREJA de João Pessoa, Paraíba www.kairosnostambemsomosigreja.blogspot.com
Aumentar o número de fiéis para engrandecer a igreja ou manter a fidelidade ao anúncio profético do evangelho, a boa-nova que anuncia o Reino de Deus como justiça, solidariedade e dignidade para todos e todas?
Essa talvez seja uma reflexão que poucos líderes cristãos fazem. Ao fazerem, a imensa maioria parece optar pelo crescimento numérico de suas respectivas igrejas. Pelo menos é o que se percebe. Basta verificar o numero cada vez mais crescente de igrejas evangélicas, cujo modelo prevalecente é o da igreja-empresa com sua liturgia inovadora que recorre à data-show, testemunhos miraculosos, grupos de danças, fundo musical suave estrategicamente utilizado para sensibilizar o coração do fiel, cânticos espirituais acompanhado de mantras evangélicos, ar condicionado central pregações sobre temas ligados aos problemas familiares, financeiros, saúde, tudo para promover o “bem-estar-espiritual” do “fiel”; isso sem falar dos shows gospels com seus aparatos.
Tal preocupação excessiva pelo aumento ou a diminuição dos fiéis, é real tanto entre bispos e pastores evangélicos, sejam eles de denominações históricas ou pentecostais clássicas e neo-pentecostais, quanto bispos e padres católicos. Em si tratando de João Pessoa, duas denominações evangélicas que muito tem investido no bem-estar-espiritual dos fieis, são: a IURD (1) e a Batista (2). Uma vez que o sucesso quantitativo passou a ser alvo prioritário, podemos dizer, em termos teológicos, que a igreja foi identificada com o Reino de Deus; isto é, o mero crescimento numérico da igreja é vista como a realização da missão de anunciar o Reino de Deus (3).
A nova religião “popular católica urbana” há muito se consolidou. O fenômeno padre Marcelo continua vivo, através da sua liturgia envolvente que toca a sensibilidade das emoções do povo e sua mensagem que responde diretamente às aspirações e à cultura do ser urbano, consegue conter a migração em massa de católicos (com exceção dos católicos nominais) para as igrejas evangélicas. Claro que há outros padres trabalhando com a mesma visão, é o caso do Pe. Fabio Melo. A canção nova esta ai atuando com muita eficácia em todo o país, assim como várias emissoras de rádio e canais de televisão evangélica. No fundo, ambos propagam um evangelho do sucesso e da prosperidade.
Hoje, é perfeitamente possível assistir a missa ou culto, sem sair de casa. Basta sintonizar seu aparelho televisivo nos vários canais abertos ou fechados. Esta ai a igreja que salva, cura e liberta através do poder do espírito. Mas que espírito é este? O Espírito Santo? Hora, o espírito que ai atua, é bastante limitado. Sua ação restringe-se as emoções humanas. Este espírito não produz uma fé que se compromete com as mudanças das estruturas pessoais e sociais existentes, aliás, toma por definitivas e absolutas as estruturas do sistema estabelecido promovendo um conformismo religioso-emocionalista generalizado. O deus deste evangelho e destes grupos garante a prosperidade a todos os que aderem a sua pregação. Como diz José Comblin “Tudo ficou muito simples: Jesus salva, Jesus resolve, Jesus perdoa, Jesus dá paz e felicidade a todos. Basta querer, basta aceitar... e fazer um depósito na conta bancária do missionário” (4).
A propagação do evangelho da prosperidade se dá de múltiplas maneiras (livros, jornais, folhetos, panfletos,) e, além do seu triunfalismo doentio, outra característica deste evangelho é sua intolerância religiosa. Recentemente a justiça da Bahia determinou o recolhimento em Salvador, de todos os exemplares do livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação” da editora Canção Nova, cuja autoria é do padre Jonas Abib, fundador da Canção Nova, que por sua vez esta ligada à Renovação Carismática, de tendência teológica bastante conservadora. De acordo com o ministério público, o padre cometeu o crime de “prática e incitação de discriminação ou preconceito religioso”, previsto na lei 7.716, de 1989 (5).
No seguimento cristão evangélico, são várias as estratégias utilizadas para “evangelizar os pecadores” que ainda não se converteram. O caso “Mãe Gilda” foi o que recentemente mais se destacou. Já se desenrolava há nove anos e foi parar no STJ. A saga do Abassá de Ogum, como ficou conhecida a historia, iniciou quando a Iyalorixá Jaciara Ribeiro, filha consangüínea de Mãe Gilda decidiu processar a IURD por danos morais e uso indevido da imagem da sua mãe. A ação movida pela Iyá (mãe de santo) Jaciara foi apoiada pelos advogados de Koinonia (ONG que trabalha com direitos humanos). A decisão da quarta turma do STJ obriga o jornal a Folha Universal, que publicou a foto de Mãe Gilda sob manchete ofensiva, a publicar uma retratação. O valor da indenização arbitrado pela 17ª Vara Civil da Bahia de 1.4 milhões foi reduzido para 145.250,00 (6), valor insignificante para uma igreja detentora de um patrimônio milionário.
Que evangelho foi pregado a fim de vilipendiar a imagem da Mãe Gilda? O evangelho que abraça as diferenças religiosas em nome do respeito e da tolerância? O evangelho que procura evitar tanto a colisão com o diferente quanto a sua coexistência estanque? O evangelho que se põe a serviço da construção de um mundo melhor? A quem a igreja Universal pretendia atacar? Objetivamente, as religiões afro-descendentes, numa total ausência de senso Ecumênico e dialogo inter-religioso! Claro, não se pode esperar tal senso por parte de uma igreja cujo interesse maior são os fieis de outras religiões. Esta é vista como empresa religiosa, fundamentada numa teologia da prosperidade. O teólogo luterano Gottfried Brakemeier afirma que é difícil “reconhecer nesta igreja a imagem da Igreja das origens e de seu Senhor crucificado. Trata-se de neoliberalismo econômico em roupagem religiosa. É uma religião de resultados, uma ‘ciência’ do sucesso” (7). Em síntese, a magia ai tomou o lugar do evangelho e a comunidade desapareceu tornando-se freguesia.
A impressão que temos é que estamos descendo velozmente a ladeira, e isso, tem uma “história”. Saímos do seguimento de Cristo para o cristianismo institucionalizado de Constantino, depois para a cristandade. Da cristandade para o protestantismo (que poderia ter sido um movimento de proposta), do protestantismo para o denominacionalismo e hoje para o conformismo religioso alienado das questões sociais e políticas do seu tempo. Deste modo, cada vez mais a igreja vai perdendo sua relevância e não se aprecia hoje o apoio que ela pode trazer à solução dos problemas humanos contemporâneos. Tanto o ministério quanto a mensagem cristã tem perdido a credibilidade perante uma sociedade atenta, que parece esta se divertindo com o espetáculo.
Warren W. Wiersbe, pastor batista norte-americano, descreveu os cristãos evangélicos da seguinte maneira: “Nos dias de hoje somos desafiados, mas não transformados; convencidos, mas não convertidos. Ouvimos, mas não praticamos; e, desse modo, enganamos a nós mesmos” (8). Perguntas como: Porque deveríamos escutar o que pregam as igrejas? Com que autoridade os pastores pregam para a sociedade sobre pecado e salvação? O que esse evangelho da “prosperidade” tem haver com o evangelho pregado para os pobres na época do Cristo? O evangelho de Jesus não é a denuncia dos falsos evangelhos que enganavam o povo? Já não passou da hora de por em ordem à própria casa? São feitas diariamente pelos críticos e estas, continuam sem resposta!
Acontece hoje como na época do profeta Jeremias. As pessoas desejam ser levadas para um caminho sem muito compromisso, são levadas a apoiar e defender justamente aqueles que os engana e destrói. “É o que deseja o meu povo” (Jr.5:31) Por que? Porque a natureza humana deseja o caminho mais fácil para não ter de ouvir a Palavra de Deus, arrepender-se e obedecer à sua vontade. É esse o motivo de a multidão ter seguido a Pasur e não a Jeremias, escolhido a Barrabás e não a Cristo, apedrejado os profetas verdadeiros e açoitado os servos de Deus. A multidão prefere o caminho largo; é mais fácil, mais cômodo e certamente há muito mais companhia.
Jeremias escreveu sobre o coração varias vezes em suas profecias. “Enganoso é o coração mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?” (17:9) Para um povo de religião de aparência, Deus anunciou através do profeta: “Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração”. (29:13). Pelo menos nove vezes Jeremias escreveu sobre a imaginação do coração perverso do homem. Pasur e o seu grupo jamais pregaram sermões radicais como esses. Prometeram paz, proteção, prosperidade, e as multidões os aplaudiram e apoiaram.
Atento ao povo que se desviava, Javé disse: “Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas. E cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas”. (Jr.2:13). Não foi uma mensagem muito popular, e fez com que Jeremias ficasse em apuros perante a instituição religiosa. Mas Jeremias era um profeta, não um mercenário; não desistiu apesar de o povo rejeitar sua mensagem.
Um último paralelismo entre a nossa época e a época de Jeremias: os falsos profetas eram homens gananciosos que usavam a religião para obtenção de lucros pessoais. Jactavam-se de sua prosperidade e da prosperidade do templo e da nação. Afinal, não eram eles o povo escolhido de Deus, e a sua riqueza não era prova de sua fidelidade e benção divina?
Por vários lugares onde passamos e encontramos igrejas-empresas, que propagam o evangelho da prosperidade, percebemos que as pessoas deixaram de ser rebanho e passaram a ser mala-direta, mantenedoras e parceiras de empreendimentos religiosos. A justificativa de que todos precisam conhecer “o verdadeiro evangelho” acaba se transformando, com o tempo, em necessidade de encontrar uma vitrine onde a instituição se mostre como produto. Como afirma Ed René Kivitz, “foi o tempo em que os pastores se gabavam de pastorear grandes igrejas. Agora a moda é ser apostolo de uma rede de igrejas”. (9)
Não creio que devamos esperar por parte dos lideres espirituais (pastores, padres,) destas respectivas igrejas que defendem e pregam o evangelho da prosperidade, uma leitura e interpretação da bíblia que considere a realidade histórica da salvação como querida efetivamente por Deus (conforme nos aponta Gustavo Gutierrez para quem a libertação e a salvação são dados reais, presentes no mundo, presentes na historia). Tenho profundas duvidas se devemos esperar uma reflexão ou mesmo uma pregação da fé em Cristo no contexto dos povos crucificados (como sempre o fez com seriedade e compaixão Jon Sobrino). Honestamente, não sei se devemos esperar que seus pregadores encarnem a verdade de que a realidade ultima para Jesus, O Reino de Deus, seja também para eles, pois sua realidade primeira e ultima está diretamente relacionada ao crescimento numérico e financeiro de seus “reinos” aqui na terra, pois, como afirma José Comblin, “a igreja ainda não sabe como se emancipar do poder do dinheiro, que tudo invade”. (10)
“Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem,.. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. (Mt.6:19-21)
(1) IURD é a sigla utilizada para identificar a Igreja Universal do Reino de Deus. O investimento financeiro realizado por esta denominação de cunho neo-pentecostal pode ser visibilizado por suas suntuosas construções, a exemplo do que se pode ver no centro da cidade próximo a lagoa (Parque Sólon de Lucena) e/ou principalmente na Av. Epitácio Pessoa, a principal avenida da capital paraibana.
(2) As Igrejas Batistas como Cidade Viva (no bairro do Bessa/Centro de Convenções Cidade Viva), PIB (Primeira Igreja Batista de JP/Espaço Gospel/Bairro de Manaira), Batistinha (Cujo Templo é um dos mais modernos do nordeste/no Bairro do Bessa) tem investido consideravelmente em seus espaços culticos a fim de proporcionar “bem-estar-espiritual” aos seus freqüentadores.
(3) Mo Sung, Jung. A crise do cristianismo e a crise do mundo – artigo publicado na internet, no site http://servicioskoinonia.org/relat/247p.htm
(4) Comblin, José. Quais os desafios dos temas teológicos atuais? São Paulo. Paulus, 2005 – pg. 7
(5) (fonte: Verbonet, Ultima Instância e Jornal Folha de São Paulo)
(6) Idem.
(7) Brakemeier, Gottfried. Preservando a Unidade do Espírito no Vínculo da Paz: Um curso de ecumenismo – São Paulo. Aste, 2004 – pg. 27
(8) W. Wiersbe, Warren. A Crise de Integridade – São Paulo. Vida, 1991.
(9) Kivitz, Ed René. Outra espiritualidade – São Paulo. Mundo Cristão, 2006 – pg. 38
(10)Comblin, José. A profecia na Igreja – São Paulo. Paulus, 2008 – pg. 286
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