A crise alimentar e os biocombustíveis

Já são 6 bilhões de seres humanos na Terra, dos quais aproximadamente 800 milhões passam fome. Por isso, a ocupação de terras produtivas para o cultivo com fins energéticos certamente é um fato que merece atenção, tanto das autoridades quanto da sociedade civil organizada. Por João Reis (*), da redação Consciência.Net.

Em meio ao atual cenário de crise alimentar, o cultivo dos biocombustíveis em terras férteis vem sendo objeto de discussões pelo mundo afora.

Já são 6 bilhões de seres humanos na Terra, dos quais aproximadamente 800 milhões passam fome. Por isso, a ocupação de terras produtivas para o cultivo com fins energéticos certamente é um fato que merece atenção, tanto das autoridades quanto da sociedade civil organizada.

No entanto, é preciso atentar para motivações e interesses políticos e econômicos que possam estar por trás de argumentações contrárias ao cultivo de biocombustíveis em países emergentes como o Brasil. Apoiando-se num discurso muitas vezes populista – “a favor dos esfomeados do mundo” - governantes dos países de primeiro mundo, que dependem da produção de alimentos na América Latina e África principalmente, vêm atacando o cultivo de biocombustíveis nessas regiões, embora os cultivem em seus próprios países.

Há duas semanas, o relator especial da ONU sobre o Direito aos Alimentos, Jean Ziegler, apelou para que a produção de biocombustíveis fosse totalmente suspensa, por ser a principal causa do aumento de preços de alimentos. Essa afirmação, sem dúvida radical, peca pelo reducionismo com que trata essa questão, e faz parte de um jogo de interesses, muito mais complexo do que um problema moral, como quis colocar o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn.

Ainda há, como apontou a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, muitas terras improdutivas ou subaproveitadas, bem como áreas antes degradadas pelo homem, que podem ser utilizadas para a produção de alimentos. Só no Brasil, existe o equivalente ao território da França e Alemanha disponível para o cultivo de alimentos; mas faltam investimentos e infra-estrutura para isso, porque há uma falta de interesse privado para se financiar a produção de alimentos. Esses estão garantindo menos dividendos aos empresários em relação à exploração de biocombustíveis. Com a falta de investimentos, menos alimentos são produzidos e mais caros eles ficam, o que contribui para a crise alimentar, que castiga as faixas mais pobres da população (vide os protestos no Senegal, Haiti, Burkina Faso, Egito).

Consumo e capital especulativo

Outro aspecto que influencia a alta de preços dos alimentos são os maiores níveis de consumo na China, Índia, África e América Latina, o que acaba gerando inflação. Também é válido destacar que parte dos recursos aplicados no setor primário consiste em capital especulativo, sujeitando sua produção à instabilidade do mercado. Além disso, os governantes dos países desenvolvidos, que garantem subsídios agrícolas a seus produtores - prejudicando a exportação de alimentos provenientes dos países de terceiro mundo e causando toda uma reação em cadeia que culmina na falta de investimento na produção de alimentos – são responsáveis diretos pela crise de alimentos.

A ONU e o FMI - instâncias que representam, a priori, os interesses dos países desenvolvidos - criticam os biocombustíveis porque muitas de suas ‘fazendas’ estão se transformando em ‘indústria’. O campo está se desenvolvendo e isso é, em alguma medida, uma ameaça às culturas primárias. Mas, sendo o cultivo dos biocombustíveis controlado e, em paralelo, terras improdutivas passando a ser utilizadas para a plantação de grãos, essa situação tenderá a se equilibrar.

Mais provável do que uma eventual falta de alimentos no mundo em função do cultivo de biocombustíveis é a degradação de biomas terrestres devido à emergência das ‘culturas energéticas’. A fronteira agrícola está, agora, mais pressionada do que nunca. Por isso, em vez de se discutir o papel dos biocombustíveis na crise alimentar, seria mais construtivo pautar as conseqüências de sua expansão, que pode gerar novos 'arcos de desmatamento'.

(*) João Reis é estudante de jornalismo na UFRJ e colaborador Consciência.Net.


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