Consciência.Net presente no FSM Amazônia 2009

A Revista Consciência.Net está com uma rede de colaboradores no Fórum Social Mundial e já começa a publicar a partir desta sexta (30), até o final do mês de fevereiro, as reportagens produzidas durante o FSM Amazônia 2009.

Como a quantidade de atividades interessantes é enorme, estaremos publicando pouco a pouco, ao longo do mês, um resumo das nossas impressões – até porque a infra em Belém não é lá das melhores.

Destaque para os textos da nova colaboradora Mariana Borgerth sobre a luta dos povos indígenas da região, a questão do desmatamento e o que os povos brasileiros e indígenas têm feito, bem como a visita à Ilha de Marajó - supostamente um “lugar paradisíaco” -, feita pelo repórter Gustavo Barreto, expondo a sofrida situação do povo local por conta da alta concentração fundiária.

Isso e muito mais clicando aqui!

Crise? Que crise?

Deu no InfoMoney: Apesar do cenário de crise financeira internacional, o brasileiro continua com segurança em seu emprego, o que dá confiança para consumir. Por este motivo, o Natal de 2008 se mostra promissor, principalmente para o mercado de cartões.

"A despeito do cenário de crise que se apresentou nos últimos três meses, mesmo com ela, os cartões cresceram acima de 20% em faturamento. Não só fechamos a expectativa de crescimento de 22,1% no ano em faturamento como este será o melhor Natal da indústria de cartões de crédito", afirmou o diretor de Marketing de Cartões do Banco Itaú, Fernando Chacon.


Original, clique no título.

Alternativas para o Brasil enfrentar a crise

Depois de quase duas décadas e meio crescendo apenas pouco mais de 2% ao ano, o Brasil enfrenta a maior crise internacional desde 1929.

Apesar de a gravidade da situação estar mais para tsunami do que para marola, a crise internacional também oferece uma oportunidade para nosso país enfrentá-la e sair dela em melhores condições, rumo a um grande projeto de desenvolvimento nacional. O evento será na ABI, centro do Rio, de 02 a 04 de dezembro.

Seminário "As Alternativas para o Brasil enfrentar a crise" no Rio começa nesta terça (2)

O Jornal Monitor Mercantil organiza, de 02 a 04 de dezembro - junto com Corecon-RJ, AFBNDES, Aepet, ABI, Fórum de Mídia Livre RJ e outras entidades - o seminário Alternativas para o Brasil enfrentar a crise, na ABI - Rua Araújo Porto Alegre, 71, Centro. A abertura será terça-feira (2/12), às 19h, com a presença do governador do Paraná, Roberto Requião. Inscrições abertas pelo site do evento. A participação garante certificado de participação.

Depois de quase duas décadas e meio crescendo apenas pouco mais de 2% ao ano, o Brasil enfrenta a maior crise internacional desde 1929. Apesar de a gravidade da situação estar mais para tsunami do que para marola, a crise internacional também oferece uma oportunidade para nosso país enfrentá-la e sair dela em melhores condições, rumo a um grande projeto de desenvolvimento nacional.

Este é o principal objetivo do seminário "Alternativas para o Brasil enfrentar a crise", que reunirá economistas como Carlos Lessa e João Paulo de Almeida Magalhães, políticos como o governador do Paraná, Roberto Requião, e especialistas de diversas áreas.

O evento é uma realização de Aepet, Corecon-RJ, Fórum Mídia Livre RJ, Jornal Monitor Mercantil, Modecon, Movimento em Defesa da Amazônia, Movimento de Solidariedade Ibero-americana e Associação dos Funcionários do BNDES.

Será na ABI, de 2 a 4 de dezembro.

Para conhecer a programação e se inscrever gratuitamente, acesse o site do evento: http://seminario-alternativas-crise.blogspot.com/

Informações:
Conselho Regional de Economia 1ª Região (Corecon-RJ)
Tel.: (21) 2533-7891/7892 e 2103-0105

Assessoria de imprensa:
Gustavo Barreto: (21) 9250-9594 / 9551-4453 / gb@consciencia.net
Rogerio Lessa: (21) 9993-9400



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www.consciencia.net

Seminário 'As Alternativas para o Brasil enfrentar a crise' no Rio começa nesta terça (2)

O Jornal Monitor Mercantil organiza, de 02 a 04 de dezembro - junto com Corecon-RJ, AFBNDES, Aepet, ABI, Fórum de Mídia Livre RJ e outras entidades - o seminário Alternativas para o Brasil enfrentar a crise, na ABI - Rua Araújo Porto Alegre, 71, Centro. A abertura será terça-feira (2/12), às 19h, com a presença do governador do Paraná, Roberto Requião. Inscrições abertas pelo site do evento. A participação garante certificado de participação. Leia mais.

Depois de quase duas décadas e meio crescendo apenas pouco mais de 2% ao ano, o Brasil enfrenta a maior crise internacional desde 1929. Apesar de a gravidade da situação estar mais para tsunami do que para marola, a crise internacional também oferece uma oportunidade para nosso país enfrentá-la e sair dela em melhores condições, rumo a um grande projeto de desenvolvimento nacional.

Este é o principal objetivo do seminário "Alternativas para o Brasil enfrentar a crise", que reunirá economistas como Carlos Lessa e João Paulo de Almeida Magalhães, políticos como o governador do Paraná, Roberto Requião, e especialistas de diversas áreas.

O evento é uma realização de Aepet, Corecon-RJ, Fórum Mídia Livre RJ, Jornal Monitor Mercantil, Modecon, Movimento em Defesa da Amazônia, Movimento de Solidariedade Ibero-americana e Associação dos Funcionários do BNDES.

Será na ABI, de 2 a 4 de dezembro.

Para conhecer a programação e se inscrever gratuitamente, acesse o site do evento: http://seminario-alternativas-crise.blogspot.com/

Informações:
Conselho Regional de Economia 1ª Região (Corecon-RJ)
Tel.: (21) 2533-7891/7892 e 2103-0105

Assessoria de imprensa:
Gustavo Barreto: (21) 9250-9594 / 9551-4453 / gb@consciencia.net
Rogerio Lessa: (21) 9993-9400

ECO/UFRJ sedia Fórum Livre de Direito Autoral

A Escola de Comunicação da UFRJ promoverá, nos dias 15, 16 e 17 de dezembro, o "Fórum Livre de Direito Autoral - O Domínio do Comum", em parceria com o Ministério da Cultura (MinC) e Rede Universidade Nômade.

O Fórum se propõe a ampliar as discussões sobre os impasses da atual legislação de propriedade intelectual, buscando compatibilizar a proteção legal dos direitos com o acesso a cultura, num cenário de mudanças sociais e tecnológicas que subverte as relações tradicionais com o direito autoral. Inscrições estão abertas pelo site.

Jornalismo Econômico e a Economia Real

Se tudo isso que pregam os neoclássicos fosse verdade não estaríamos vivendo numa crise e à beira de uma recessão mundial. O mundo seria perfeito, às mil maravilhas... Quanto à crise em si: O mundo não vai acabar! Por Thiago Santos Silva.

Ao assistir qualquer noticiário da televisão ou rádio nesses últimos meses, um tema tem se destacado em importância no que é noticiado: a crise econômica sem precedentes que estamos vivendo! Não quero falar sobre a crise em si, mas como ela está sendo tratada, noticiada e vista pelos nossos jornalistas.

Primeiramente gostaria de esclarecer alguns conceitos e correntes econômicas que existem, apesar de a nossa imprensa só dar ouvidos a uma única forma e corrente de pensamento, que é a Neoclássica.

A corrente Neoclássica é a base teórica da economia da maioria dos países e é também o que potencializou essa crise. Seus preceitos básicos confundem-se com os preceitos do neoliberalismo político, ou seja, é a vertente econômica do neoliberalismo. Seus defensores apóiam o Estado minimalista, não intervencionista onde os governos só existem para estar a serviço das forças e grupos economicamente hegemônicos da sociedade.

Defendem que a própria oferta é capaz de criar demanda a ela (o que deixa os especuladores livres para investirem onde bem entenderem, pouco se preocupando com as reais necessidades de investimento de um país) e o que considero hoje (à beira de uma recessão) crucial para entender alguns dos motivos dessa crise é o fato de esta linha de pensamento econômico ignorar que a economia financeira (mercado de ações/bolsas de valores) interfere na economia real nossa do dia-a-dia.

Se tudo isso que pregam os neoclássicos fosse verdade não estaríamos vivendo numa crise e à beira de uma recessão mundial. O mundo seria perfeito, às mil maravilhas...

Felizmente para uns e infelizmente para outros o mundo e as coisas não são bem assim.

A corrente oposta à Neoclássica é o que podemos chamar de Estruturalismo, que tem entre suas vertentes principais o Keynesianismo (aquele que o único capaz de resgatar o mundo da crise de 29 e a grande depressão subseqüente).

Em linhas mestras essa corrente defende a tendência de crises do capitalismo, ou seja, as crises cíclicas e como única maneira de conter ou amenizar os efeitos dessa tendência o intervencionismo Estatal nas economias. Essa tendência à crise é algo impossível de se negar, pois se formos estudar a história do capitalismo, esta se confundirá com a história das crises do capitalismo, o que automaticamente já prova a teoria de crises cíclicas.

Outro ponto defendido pelo estruturalismo Keynesiano é o da contaminação da economia real pela economia financeira. Isso se vê facilmente no dia-a-dia. Exemplificando: basta a cotação do petróleo subir na bolsa de valores (de forma especulativa) que automaticamente temos o aumento no preço dos seus derivados na economia real. A especulação da economia financeira tem reflexos claros na economia real nossa do dia-a-dia.

O Estruturalismo Keynesiano também defende que a oferta não cria demanda e sim o contrário e o fato de se acreditar na possibilidade neoclássica leva a descompensamentos produtivos, onde não se investe na produção das reais necessidades de um país, o que acarreta a inflação de produtos essenciais.

Agora por que somente é dado voz à visão neoclássica da economia por parte da nossa imprensa e por que os economistas trabalham com essa visão em detrimento da visão estruturalista que é mais sensata?

Fácil entender.

Para uma pessoa que vive da especulação financeira seria praticamente suicídio trabalhar com a possibilidade de estar à beira de uma crise a cada momento. O mercado ficaria sempre em pânico e a especulação não alçaria vôos tão altos como alça atualmente. Então essas pessoas preferem fazer de conta que nada disso existe ou é verdadeiro para poder conseguir ganhos rápidos e fáceis e, se porventura estourar uma crise (o que é normal que aconteça), os Estados e governos é que devem ser responsabilizados, não eles os verdadeiros agentes e causadores da crise.

Já o fato de a imprensa só dar voz a essa visão ocorre por ter ela estreitas ligações com toda essa economia financeira e principalmente para, não veiculando essa outra visão da realidade, fazer a sua parte de tentar manter as coisas como estão, ajudando assim os seus parceiros do mercado financeiro que são também os seus patrocinadores. Ou seja: uma mão lava a outra.

Quanto à crise em si: O mundo não vai acabar!

Essa crise só é mais uma das crises cíclicas do capitalismo, só que em proporções maiores pela “perspicácia” dos nossos especuladores financeiros e sua avidez por lucros, que fizeram dos mercados financeiros verdadeiros cassinos, ignorando as conseqüências disto para a economia mundial.

(*) Visite o blog de Thiago Santos Silva clicando aqui.




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Jornalismo Econômico e a Economia Real

Se tudo isso que pregam os neoclássicos fosse verdade não estaríamos vivendo numa crise e à beira de uma recessão mundial. O mundo seria perfeito, às mil maravilhas... Quanto à crise em si: O mundo não vai acabar! Por Thiago Santos Silva, clique aqui para ler.

Ao assistir qualquer noticiário da televisão ou rádio nesses últimos meses, um tema tem se destacado em importância no que é noticiado: a crise econômica sem precedentes que estamos vivendo! Não quero falar sobre a crise em si, mas como ela está sendo tratada, noticiada e vista pelos nossos jornalistas.

Primeiramente gostaria de esclarecer alguns conceitos e correntes econômicas que existem, apesar de a nossa imprensa só dar ouvidos a uma única forma e corrente de pensamento, que é a Neoclássica.

A corrente Neoclássica é a base teórica da economia da maioria dos países e é também o que potencializou essa crise. Seus preceitos básicos confundem-se com os preceitos do neoliberalismo político, ou seja, é a vertente econômica do neoliberalismo. Seus defensores apóiam o Estado minimalista, não intervencionista onde os governos só existem para estar a serviço das forças e grupos economicamente hegemônicos da sociedade.

Defendem que a própria oferta é capaz de criar demanda a ela (o que deixa os especuladores livres para investirem onde bem entenderem, pouco se preocupando com as reais necessidades de investimento de um país) e o que considero hoje (à beira de uma recessão) crucial para entender alguns dos motivos dessa crise é o fato de esta linha de pensamento econômico ignorar que a economia financeira (mercado de ações/bolsas de valores) interfere na economia real nossa do dia-a-dia.

Se tudo isso que pregam os neoclássicos fosse verdade não estaríamos vivendo numa crise e à beira de uma recessão mundial. O mundo seria perfeito, às mil maravilhas...

Felizmente para uns e infelizmente para outros o mundo e as coisas não são bem assim.

A corrente oposta à Neoclássica é o que podemos chamar de Estruturalismo, que tem entre suas vertentes principais o Keynesianismo (aquele que o único capaz de resgatar o mundo da crise de 29 e a grande depressão subseqüente).

Em linhas mestras essa corrente defende a tendência de crises do capitalismo, ou seja, as crises cíclicas e como única maneira de conter ou amenizar os efeitos dessa tendência o intervencionismo Estatal nas economias. Essa tendência à crise é algo impossível de se negar, pois se formos estudar a história do capitalismo, esta se confundirá com a história das crises do capitalismo, o que automaticamente já prova a teoria de crises cíclicas.

Outro ponto defendido pelo estruturalismo Keynesiano é o da contaminação da economia real pela economia financeira. Isso se vê facilmente no dia-a-dia. Exemplificando: basta a cotação do petróleo subir na bolsa de valores (de forma especulativa) que automaticamente temos o aumento no preço dos seus derivados na economia real. A especulação da economia financeira tem reflexos claros na economia real nossa do dia-a-dia.

O Estruturalismo Keynesiano também defende que a oferta não cria demanda e sim o contrário e o fato de se acreditar na possibilidade neoclássica leva a descompensamentos produtivos, onde não se investe na produção das reais necessidades de um país, o que acarreta a inflação de produtos essenciais.

Agora por que somente é dado voz à visão neoclássica da economia por parte da nossa imprensa e por que os economistas trabalham com essa visão em detrimento da visão estruturalista que é mais sensata?

Fácil entender.

Para uma pessoa que vive da especulação financeira seria praticamente suicídio trabalhar com a possibilidade de estar à beira de uma crise a cada momento. O mercado ficaria sempre em pânico e a especulação não alçaria vôos tão altos como alça atualmente. Então essas pessoas preferem fazer de conta que nada disso existe ou é verdadeiro para poder conseguir ganhos rápidos e fáceis e, se porventura estourar uma crise (o que é normal que aconteça), os Estados e governos é que devem ser responsabilizados, não eles os verdadeiros agentes e causadores da crise.

Já o fato de a imprensa só dar voz a essa visão ocorre por ter ela estreitas ligações com toda essa economia financeira e principalmente para, não veiculando essa outra visão da realidade, fazer a sua parte de tentar manter as coisas como estão, ajudando assim os seus parceiros do mercado financeiro que são também os seus patrocinadores. Ou seja: uma mão lava a outra.

Quanto à crise em si: O mundo não vai acabar!

Essa crise só é mais uma das crises cíclicas do capitalismo, só que em proporções maiores pela “perspicácia” dos nossos especuladores financeiros e sua avidez por lucros, que fizeram dos mercados financeiros verdadeiros cassinos, ignorando as conseqüências disto para a economia mundial.

(*) Visite o blog de Thiago Santos Silva clicando aqui.

O mundo está em crise

Foto: Sebastião SalgadoOcorreu entre os dias 19 e 22 de outubro, em Moçambique, a V Conferência Internacional da Via Campesina, onde foi elaborada uma carta apontando as principais questões relacionadas à crise alimentar no mundo frente ao modelo neoliberal que tende a agravá-la, bem como alternativas. Do Jornal Fazendo Media.

O mundo está em crise

Do Jornal Fazendo Media

Ocorreu entre os dias 19 e 22 de outubro, em Moçambique, a V Conferência Internacional da Via Campesina, onde foi elaborada uma carta apontando as principais questões relacionadas à crise alimentar no mundo frente ao modelo neoliberal que tende a agravá-la. Nessa perspectiva, surgiu a necessidade de serem apresentadas alternativas, que também foram propostas na conferência e estão expostas ao final da manifestação da Via Campesina.

Dada a concentração do setor alimentício pelas grandes transnacionais através da privatização dos segmentos de produção, a grande maioria da população encontra-se refém e/ou excluída de um modelo cujo direito à alimentação virou mercadoria restrita aos que estão inseridos no mercado de consumo. Leia abaixo a Carta de Maputo.

Carta de Maputo: V Conferência Internacional da Via Campesina

Maputo, Moçambique, 19-22 de Outubro, 2008

Uma crise multi-dimensional. De alimentos, de energia, de clima e de finanças. As soluções que o poder propõe - mais livre comércio, sementes transgênicas, etc - ignoram que a crise resulta do sistema capitalista e do neoliberalismo, e somente aprofundarão seus impactos. Para encontrar soluções reais, temos que olhar para a Soberania Alimentar que propõe a Via Campesina.

Como chegamos na crise?
Nas últimas décadas vimos o avanço do capitalismo financeiro e das empresas transnacionais, sobre todos os aspectos da agricultura e do sistema alimentar dos países e do mundo. Desde a privatização das sementes e a venda de agrotóxicos, até a compra da colheita, o processamento dos alimentos, e seu transporte, distribuição e venda ao consumidor, tudo já está em mãos de um número reduzido de empresas. Os alimentos deixaram de ser um direito de todos e todas, e tornaram-se apenas mercadorias. Nossa alimentação está sendo homogeneizada em todo mundo, com alimentos de má qualidade, preços que as pessoas não podem pagar, e as tradições culinárias de nossos povos estão se perdendo.

Também vemos uma ofensiva do capital sobre os recursos naturais, como nunca se viu desde os tempos coloniais. A crise da margem de lucro do capital os lança numa guerra de privatização que os leva a nos expulsar, camponeses, camponesas, comunidades indígenas, roubando nossa terra, territórios, florestas, biodiversidade, água e minérios. Um roubo privatizador. Os povos rurais e o meio ambiente estão sendo agredidos. O semeio de agrocombustíveis em grandes monocultivos industriais também é razão dessa expulsão, falsamente justificada com argumentos sobre crise energética e climática. A realidade detrás destas últimas facetas da crise tem muito mais a ver com a atual matriz de transporte de longa distância dos bens, e individualizado em automóveis, do que com qualquer outra coisa.

Com a crise dos alimentos e com a crise financeira, a situação torna-se mais grave. A mesma crise financeira e a crise dos alimentos estão vinculados à especulação do capital financeiro com os alimentos e a terra, em detrimento das pessoas. Agora, o capital financeiro está desesperado, assaltando os erários públicos para seus resgates, os quais obrigarão ainda mais os países a fazerem cortes orçamentários, condenado-as a maior pobreza e maior sofrimento. A fome no mundo segue a passos largos. A exploração e todas as violências, em especial a violência contra a mulher, espalham-se pelo mundo. Com a recessão econômica nos países ricos, aumenta a xenofobia contra os trabalhadores e trabalhadoras migrantes, com o racismo tomando grandes proporções e com o aumento da repressão. E com os jovens tendo cada vez menos oportunidades no campo. Isso é o que o modelo dominante oferece.

Ou seja, tudo vai de mal a pior. Contudo, no seio da crise, as oportunidades se fazem presentes. Oportunidades para o capitalismo, que usa a crise para se reinventar e encontrar novas formas de manter suas taxas de lucro, mas também oportunidades para os movimentos sociais, que defendemos a tese de que o neoliberalismo perde legitimidade entre os povos, e que as instituições financeiras internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC) estão mostrando sua incapacidade de administrar a crise (além de serem parte dos motivos da crise), criando a possibilidade de que sejam desarticuladas e que outras instituições reguladoras à economia global surjam e que atendam outros interesses.

Está claro que as empresas transnacionais são os verdadeiros inimigos. São os que estão por trás de tudo. Está claro que os governos neoliberais não atendem aos interesses dos povos. Também está claro que a produção mundial de alimentos controlada pelas empresas transnacionais, não se faz capaz de alimentar o grande contingente de pessoas neste planeta, enquanto que a Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa local, faz-se mais necessária do que nunca.

O que defendemos na Via Campesina frente a esta realidade?

* A soberania alimentar: Renacionalizar e tirar o capital especulativo da produção dos alimentos é a única saída para a crise dos alimentos. Somente a agricultura camponesa alimenta os povos, enquanto o agronegócio produz para a exportação e sua produção de agrocombustíveis é para alimentar os automóveis, e não para alimentar gente. A Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa é a solução para a crise.

* Frente às crises energéticas e climáticas: a disseminação de um sistema alimentar local, que não se baseia na agricultura industrial nem no transporte a longa distância, eliminaria até 40% das emissões de gases de efeito estufa. A agricultura industrial aquece o planeta, enquanto a agricultura camponesa desaquece.

Uma mudança no padrão do transporte humano para um transporte coletivo e outras mudanças no padrão de consumo, são os passos a mais necessários para enfrentarmos a crise energética e climática.

* A Reforma Agrária genuína e integral, e a defesa do território indígena são essenciais para reverter o processo de expulsão do campo, e para disponibilizar a terra para a produção de alimentos, e não para produzir para a exportação e para combustíveis.

* A agricultura camponesa sustentável: somente a produção camponesa agroecológica pode desvincular o preço dos alimentos do preço do petróleo, recuperar os solos degradados pela agricultura industrial e produzir alimentos saudáveis e próximos para nossas comunidades.

* O avanço das mulheres é o avanço de todos: o fim de todos os tipos de violência para com as mulheres, seja ela, física, social ou outras. A conquista da verdadeira paridade de gênero em todos os espaços internos e instâncias de debates e tomada de decisões são compromissos imprescindíveis para avançar neste momento como movimentos de transformação da sociedade.

* O direito à semente e à água: a semente e a água são as verdadeiras fontes da vida, e são patrimônios dos povos. Não podemos permitir sua privatização, nem o plantio de sementes transgênicas ou de tecnologia terminator.

* Não à criminalização dos movimentos sociais. Sim à declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas na ONU, proposta pela Via Campesina. Será um instrumento estratégico no sistema legal internacional para fortalecer nossa posição e nossos direitos como camponeses e camponesas.

* A juventude do campo: É necessário abrir, cada vez mais, espaços em nossos movimentos para incorporar a força e a criatividade da juventude camponesa, com sua luta para construir seu futuro no campo.

* Finalmente, nós produzimos e defendemos os alimentos para todos e todas. Todos e todas participantes da V Conferência da Via Campesina nos comprometemos com a defesa da agricultura camponesa, com a Soberania Alimentar, com a dignidade, com a vida. Nós colocamos à disposição do mundo as soluções reais para a crise global que estamos enfrentando hoje. Temos o direito de continuarmos camponeses e camponesas, e temos a responsabilidade de alimentar nossos povos.

Aqui estamos, nós os camponeses e camponesas do mundo, e nos negamos a desaparecer.

Soberania Alimentar JÁ! Com a luta e a unidade dos povos!

Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança

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O mundo está em crise

Do Jornal Fazendo Media

Ocorreu entre os dias 19 e 22 de outubro, em Moçambique, a V Conferência Internacional da Via Campesina, onde foi elaborada uma carta apontando as principais questões relacionadas à crise alimentar no mundo frente ao modelo neoliberal que tende a agravá-la. Nessa perspectiva, surgiu a necessidade de serem apresentadas alternativas, que também foram propostas na conferência e estão expostas ao final da manifestação da Via Campesina.

Dada a concentração do setor alimentício pelas grandes transnacionais através da privatização dos segmentos de produção, a grande maioria da população encontra-se refém e/ou excluída de um modelo cujo direito à alimentação virou mercadoria restrita aos que estão inseridos no mercado de consumo. Leia abaixo a Carta de Maputo.

Carta de Maputo: V Conferência Internacional da Via Campesina

Maputo, Moçambique, 19-22 de Outubro, 2008

Uma crise multi-dimensional. De alimentos, de energia, de clima e de finanças. As soluções que o poder propõe - mais livre comércio, sementes transgênicas, etc - ignoram que a crise resulta do sistema capitalista e do neoliberalismo, e somente aprofundarão seus impactos. Para encontrar soluções reais, temos que olhar para a Soberania Alimentar que propõe a Via Campesina.

Como chegamos na crise?
Nas últimas décadas vimos o avanço do capitalismo financeiro e das empresas transnacionais, sobre todos os aspectos da agricultura e do sistema alimentar dos países e do mundo. Desde a privatização das sementes e a venda de agrotóxicos, até a compra da colheita, o processamento dos alimentos, e seu transporte, distribuição e venda ao consumidor, tudo já está em mãos de um número reduzido de empresas. Os alimentos deixaram de ser um direito de todos e todas, e tornaram-se apenas mercadorias. Nossa alimentação está sendo homogeneizada em todo mundo, com alimentos de má qualidade, preços que as pessoas não podem pagar, e as tradições culinárias de nossos povos estão se perdendo.

Também vemos uma ofensiva do capital sobre os recursos naturais, como nunca se viu desde os tempos coloniais. A crise da margem de lucro do capital os lança numa guerra de privatização que os leva a nos expulsar, camponeses, camponesas, comunidades indígenas, roubando nossa terra, territórios, florestas, biodiversidade, água e minérios. Um roubo privatizador. Os povos rurais e o meio ambiente estão sendo agredidos. O semeio de agrocombustíveis em grandes monocultivos industriais também é razão dessa expulsão, falsamente justificada com argumentos sobre crise energética e climática. A realidade detrás destas últimas facetas da crise tem muito mais a ver com a atual matriz de transporte de longa distância dos bens, e individualizado em automóveis, do que com qualquer outra coisa.

Com a crise dos alimentos e com a crise financeira, a situação torna-se mais grave. A mesma crise financeira e a crise dos alimentos estão vinculados à especulação do capital financeiro com os alimentos e a terra, em detrimento das pessoas. Agora, o capital financeiro está desesperado, assaltando os erários públicos para seus resgates, os quais obrigarão ainda mais os países a fazerem cortes orçamentários, condenado-as a maior pobreza e maior sofrimento. A fome no mundo segue a passos largos. A exploração e todas as violências, em especial a violência contra a mulher, espalham-se pelo mundo. Com a recessão econômica nos países ricos, aumenta a xenofobia contra os trabalhadores e trabalhadoras migrantes, com o racismo tomando grandes proporções e com o aumento da repressão. E com os jovens tendo cada vez menos oportunidades no campo. Isso é o que o modelo dominante oferece.

Ou seja, tudo vai de mal a pior. Contudo, no seio da crise, as oportunidades se fazem presentes. Oportunidades para o capitalismo, que usa a crise para se reinventar e encontrar novas formas de manter suas taxas de lucro, mas também oportunidades para os movimentos sociais, que defendemos a tese de que o neoliberalismo perde legitimidade entre os povos, e que as instituições financeiras internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC) estão mostrando sua incapacidade de administrar a crise (além de serem parte dos motivos da crise), criando a possibilidade de que sejam desarticuladas e que outras instituições reguladoras à economia global surjam e que atendam outros interesses.

Está claro que as empresas transnacionais são os verdadeiros inimigos. São os que estão por trás de tudo. Está claro que os governos neoliberais não atendem aos interesses dos povos. Também está claro que a produção mundial de alimentos controlada pelas empresas transnacionais, não se faz capaz de alimentar o grande contingente de pessoas neste planeta, enquanto que a Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa local, faz-se mais necessária do que nunca.

O que defendemos na Via Campesina frente a esta realidade?

* A soberania alimentar: Renacionalizar e tirar o capital especulativo da produção dos alimentos é a única saída para a crise dos alimentos. Somente a agricultura camponesa alimenta os povos, enquanto o agronegócio produz para a exportação e sua produção de agrocombustíveis é para alimentar os automóveis, e não para alimentar gente. A Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa é a solução para a crise.

* Frente às crises energéticas e climáticas: a disseminação de um sistema alimentar local, que não se baseia na agricultura industrial nem no transporte a longa distância, eliminaria até 40% das emissões de gases de efeito estufa. A agricultura industrial aquece o planeta, enquanto a agricultura camponesa desaquece.

Uma mudança no padrão do transporte humano para um transporte coletivo e outras mudanças no padrão de consumo, são os passos a mais necessários para enfrentarmos a crise energética e climática.

* A Reforma Agrária genuína e integral, e a defesa do território indígena são essenciais para reverter o processo de expulsão do campo, e para disponibilizar a terra para a produção de alimentos, e não para produzir para a exportação e para combustíveis.

* A agricultura camponesa sustentável: somente a produção camponesa agroecológica pode desvincular o preço dos alimentos do preço do petróleo, recuperar os solos degradados pela agricultura industrial e produzir alimentos saudáveis e próximos para nossas comunidades.

* O avanço das mulheres é o avanço de todos: o fim de todos os tipos de violência para com as mulheres, seja ela, física, social ou outras. A conquista da verdadeira paridade de gênero em todos os espaços internos e instâncias de debates e tomada de decisões são compromissos imprescindíveis para avançar neste momento como movimentos de transformação da sociedade.

* O direito à semente e à água: a semente e a água são as verdadeiras fontes da vida, e são patrimônios dos povos. Não podemos permitir sua privatização, nem o plantio de sementes transgênicas ou de tecnologia terminator.

* Não à criminalização dos movimentos sociais. Sim à declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas na ONU, proposta pela Via Campesina. Será um instrumento estratégico no sistema legal internacional para fortalecer nossa posição e nossos direitos como camponeses e camponesas.

* A juventude do campo: É necessário abrir, cada vez mais, espaços em nossos movimentos para incorporar a força e a criatividade da juventude camponesa, com sua luta para construir seu futuro no campo.

* Finalmente, nós produzimos e defendemos os alimentos para todos e todas. Todos e todas participantes da V Conferência da Via Campesina nos comprometemos com a defesa da agricultura camponesa, com a Soberania Alimentar, com a dignidade, com a vida. Nós colocamos à disposição do mundo as soluções reais para a crise global que estamos enfrentando hoje. Temos o direito de continuarmos camponeses e camponesas, e temos a responsabilidade de alimentar nossos povos.

Aqui estamos, nós os camponeses e camponesas do mundo, e nos negamos a desaparecer.

Soberania Alimentar JÁ! Com a luta e a unidade dos povos!

Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança

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A crise econômica é pequena em comparação com a falência ambiental

No dia 10 de outubro, Pavan Sukhdev, economista do "Deutsche Bank", líder de um estudo europeu sobre ecossistemas, relatou que, só com a devastação florestal, estamos perdendo em capital natural valores entre 2 e 5 trilhões de dólares por ano. As perdas acumuladas até agora pelo setor financeiro somam algo entre 1 e 1,5 trilhões. A análise é de George Monbiot, na Agência Carta Maior.

A crise econômica é pequena em comparação com a falência ambiental

No dia 10 de outubro, Pavan Sukhdev, economista do "Deutsche Bank", líder de um estudo europeu sobre ecossistemas, relatou que, só com a devastação florestal, estamos perdendo em capital natural valores entre 2 e 5 trilhões de dólares por ano. As perdas acumuladas até agora pelo setor financeiro somam algo entre 1 e 1,5 trilhões. A análise é de George Monbiot, na Agência Carta Maior.

Isso não é nada. Bem, nada em comparação com o que está por vir. A crise financeira pela qual já estamos pagando tão pesadamente prefigura o verdadeiro colapso, quando a humanidade se chocar com seus limites ecológicos.

Enquanto acompanhamos com espanto a turbulência dos quadros financeiros, uma diferente ordem de números passa por nós. No dia 10 de outubro, Pavan Sukhdev, economista do Deutsche Bank, líder de um estudo europeu de ecossistemas, relatou que, só com a devastação florestal, estamos perdendo em capital natural valores entre 2 e 5 trilhões de dólares por ano (1). As perdas acumuladas até agora pelo setor finaneiro somam algo entre 1 e 1,5 trilhões. Sukhdev chegou a esse quadro estimando o valor dos serviços – como a absorção de gás carbônico e a disponibilidade de água doce – oferecidos pelas florestas com os custos tanto do seu deslocamento como da vida sem ambos. A crise de crédito é pequena quando comparada à da natureza.

As duas crises têm a mesma causa. Em ambos os casos, aqueles que exploram os recursos têm demandado reparações por supostos débitos que nunca serão suficientes. Em ambos os casos denegamos as mesmas consequências. Eu costumava acreditar que essa denegação coletiva era própria ao tema da mudança climática. Agora eu sei que se trata da primeira resposta para impedir qualquer deslocamento iminente.

Gordon Brown, por exemplo, negou a realidade financeira como fosse um negociante de dívida tóxica qualquer. Em junho do ano passado, no discurso da Mansion House, ele se gabou de que 40% do lucro líquido estrangeiro é agora negociado aqui. “Eu congratulo o senhor, Lord Mayor, e a City de Londres por essas notáveis conquistas, uma era que a história recordará como o começo de uma nova era de ouro para a City de Londres” (2). O sucesso do setor financeiro veio, ele disse, em parte porque o governo assumiu “o risco básico de aproximar a regulação”. Na mesma sala, três anos antes, ele prometeu que “orçamento após orçamento eu quero que encorajemos cada vaz mais os investidores de risco” (3). Pode alguém, levando em conta esta bagunça, duvidar a essas alturas do valor do princípio de precaução?

Economia e ecologia derivam ambos da palavra grega oikos – uma casa ou habitação. Nossa sobrevivência depende do uso racional dessa casa: o espaço no qual a vida se sustenta. As regras são as mesmas em ambos os casos. Se você explora recursos num grau que ultrapassa o nível de reabastecimento, seus recursos vão colapsar. Esta é outra palavra que nos lembra da conexão. O OED (The Oxford English Dictionary) tem 69 definições para a palavra stock. Quando significa uma poupança ou uma loja, a palavra evoca a “tronco” - ou recurso – de uma árvore, “do qual provêm os ganhos” (4). O colapso ocorre quando você poda tão pesadamente essa árvore que ela morre. A ecologia é o recurso de onde toda riqueza provém.

As duas crises se alimentam uma da outra. Como resultado do colapso financeiro da Islândia, ela agora considera unir-se à União Européia, o que implica submeter seus recursos da pesca à Política de Pesca Comum. O primeiro ministro islandês já disse que seus compatriotas se dedicam a explorar os oceanos (5). O desastre econômico vai causar um ecológico.

Geralmente é o contrário o que ocorre. No seu livro Collapse, Jared Diamond mostra como as crises ecológicas frequentemente são um prelúdio de catástrofes sociais (6). O exemplo óbvio é o da Ilha de Páscoa, em que a sociedade rapidamente se desintegrou após ter alcançado seus números históricos mais elevados das construções de monumentos de pedras, tendo cortado as últimas árvores. Os governantes da Ilha competiam sobre quem erigia estátuas maiores. Isso requeria madeira e cordas (feitas das suas cascas) para transportar as pedras, e comida extra para os trabalhadores. Como essas árvores e esse solo de que eles dependiam desapareceram, a população se desintegrou e os sobreviventes se voltaram para o canibalismo. (Esperamos que a Islândia não chegue a esse ponto).

Diamond se pergunta o que o morador da Ilha de Páscoa que cortou a última palmeira deve ter pensado: “Será que ele gritou como um madeireiro moderno 'Empregos, não árvores!'? Ou: 'A tecnologia vai resolver nossos problemas, não precisa temer, vamos encontrar um substituto para madeira'? Ou: 'Não temos provas de que não há palmeiras em algum outro lugar mais a leste...sua proposta de banir a derrubada de árvores é prematura e dirigida por mercadores do medo'?(7).

O colapso ecológico, mostra Diamond, é como se fosse o resultado do sucesso econômico da falência econômica. Os Maias da América Central, por exemplo, estavam entre os mais avançados e bem sucedidos povos de seu tempo. Mas uma combinação de crescimento populacional, projetos extravagantes de construção e empobrecimento do solo utilizado varreu do mapa entre 90 e 99% da sua população. O colapso dos Maias foi acelerado por “competição entre reis e nobres que levou à ênfase crônica na guerra e na ereção de monumentos, no lugar de resolver os problemas subjacentes” (8). Será que algum desses fatos soa familiar?

Mais uma vez, os grandes monumentos foram erigidos logo antes da quebradeira ambiental. De novo, essa extravagância é parcialmente responsável pelo colapso: árvores foram usadas para fazer emplastros para decorar seus templos. O emplastro se tornou cada vez mais pesado, enquanto os reis tentavam se superar na evidência da destruição alheia.

Eis algumas razões pelas quais as pessoas fracassam em prevenir colapsos ecológicos. Seus recursos parecem, à primeira vista, inesgotáveis; a tendência de esgotamento a longo prazo é conciliada com flutuações de curto prazo; um pequeno número de pessoas poderosas sobrepõem seus interesses aos de todos os outros; os lucros de curto prazo triunfam sobre a sobrevivência no longo prazo. O mesmo, em todos os casos, pode ser dito do colapso dos sistemas financeiros. É assim que os seres humanos estão destinados a se comportar? Se não pudéssemos agir até que os recursos – de qualquer tipo – caiam no esquecimento, estaríamos acabados.

Porém, um dos benefícios da modernidade é nossa capacidade de perceber as tendências e prever resultados. Se a população de peixes num ecossistema esgotado cresce 5% ao ano e a pesca se expande em 10% ao ano, a atividade pesqueira vai colapsar. Se a economia global permanece crescendo 3% ao ano (ou 1700% num século) isso também vai bater no teto.

Eu não vou sugerir, como um certo patife que partilha o mesmo nome comigo fez nestas páginas no ano passado, que nós deveríamos receber bem uma recessão (9). Mas a crise financeira nos propicia uma oportunidade para repensar essa trajetória; uma oportunidade não disponível nos períodos de euforia econômica. Os governantes que estão reestruturando suas economias deveriam ler o livro de Herman Daly, Seady-State Economics. (10)

Como é de hábito, eu não deixei espaço suficiente para discutir isso, então os detalhes eu deixo para outra coluna. Ou você pode ler a resenha publicada pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável. (11) Mas o que Daily sugere é que as nações que já são ricas deveriam trocar crescimento (“mais do mesmo”) por desenvolvimento (“a mesma quantidade de coisa melhor”). Uma economia estável de Estado tem uma quantidade de capital mantida por um padrão de lucro não mais alto do que o ecossistema pode absorver. O uso dos recursos é fixado e o direito a explorá-los é licitado. A pobreza é encaminhada para a redistribuição da riqueza. Os bancos podem emprestar tanto quanto possuem.

Alternativamente, podemos persistir no pensamento mágico cujos resultados têm acabado de quebrar a casa. A crise financeira mostra o que acontece quando tentamos adequar os fatos aos nossos desejos. Agora devemos aprender a viver num mundo real.

* George Monbiot é escritor e jornalista e mantém uma coluna semanal no jornal britânico The Guardian.

(1) Richard Black, 10th October 2008. Nature loss ‘dwarfs bank crisis’. BBC Online. http://news.bbc.co.uk/1/hi/sci/tech/7662565.stm

(2) Gordon Brown, 20th June 2007. Speech to Mansion House. http://www.hm-treasury.gov.uk/2014.htm

(3) Gordon Brown, 16th June 2004. Speech to Mansion House. http://www.hm-treasury.gov.uk/1534.htm

(4) Oxford English Dictionary, 1989. Second Edition.

(5) Niklas Magnusson, 10th October 2008. Iceland Premier Tells Nation to Go Fishing After Banks Implode.
http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601087&sid=azZ189JG.1S8&refer=home

(6) Jared Diamond, 2005. Collapse: how societies choose to survive or fail. Allen Lane, London

(7) p. 114

(8) p. 160

(9) George Monbiot, 9th October 2007. Bring on the Recession. The Guardian.
http://www.monbiot.com/archives/2007/10/09/bring-on-the-recession/

(10) Herman E. Daly, 1991. Steady-State Economics - 2nd Edition. Island Press, Washington DC.

(11) Herman E. Daly, 24th April 2008. A Steady-State Economy. Sustainable Development Commission. http://www.sd-commission.org.uk/publications/downloads/Herman_Daly_thinkpiece.pdf

Tradução: Katarina Peixoto

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www.consciencia.net

A crise econômica é pequena em comparação com a falência ambiental

No dia 10 de outubro, Pavan Sukhdev, economista do "Deutsche Bank", líder de um estudo europeu sobre ecossistemas, relatou que, só com a devastação florestal, estamos perdendo em capital natural valores entre 2 e 5 trilhões de dólares por ano. As perdas acumuladas até agora pelo setor financeiro somam algo entre 1 e 1,5 trilhões. A análise é de George Monbiot, na Agência Carta Maior.

Isso não é nada. Bem, nada em comparação com o que está por vir. A crise financeira pela qual já estamos pagando tão pesadamente prefigura o verdadeiro colapso, quando a humanidade se chocar com seus limites ecológicos.

Enquanto acompanhamos com espanto a turbulência dos quadros financeiros, uma diferente ordem de números passa por nós. No dia 10 de outubro, Pavan Sukhdev, economista do Deutsche Bank, líder de um estudo europeu de ecossistemas, relatou que, só com a devastação florestal, estamos perdendo em capital natural valores entre 2 e 5 trilhões de dólares por ano (1). As perdas acumuladas até agora pelo setor finaneiro somam algo entre 1 e 1,5 trilhões. Sukhdev chegou a esse quadro estimando o valor dos serviços – como a absorção de gás carbônico e a disponibilidade de água doce – oferecidos pelas florestas com os custos tanto do seu deslocamento como da vida sem ambos. A crise de crédito é pequena quando comparada à da natureza.

As duas crises têm a mesma causa. Em ambos os casos, aqueles que exploram os recursos têm demandado reparações por supostos débitos que nunca serão suficientes. Em ambos os casos denegamos as mesmas consequências. Eu costumava acreditar que essa denegação coletiva era própria ao tema da mudança climática. Agora eu sei que se trata da primeira resposta para impedir qualquer deslocamento iminente.

Gordon Brown, por exemplo, negou a realidade financeira como fosse um negociante de dívida tóxica qualquer. Em junho do ano passado, no discurso da Mansion House, ele se gabou de que 40% do lucro líquido estrangeiro é agora negociado aqui. “Eu congratulo o senhor, Lord Mayor, e a City de Londres por essas notáveis conquistas, uma era que a história recordará como o começo de uma nova era de ouro para a City de Londres” (2). O sucesso do setor financeiro veio, ele disse, em parte porque o governo assumiu “o risco básico de aproximar a regulação”. Na mesma sala, três anos antes, ele prometeu que “orçamento após orçamento eu quero que encorajemos cada vaz mais os investidores de risco” (3). Pode alguém, levando em conta esta bagunça, duvidar a essas alturas do valor do princípio de precaução?

Economia e ecologia derivam ambos da palavra grega oikos – uma casa ou habitação. Nossa sobrevivência depende do uso racional dessa casa: o espaço no qual a vida se sustenta. As regras são as mesmas em ambos os casos. Se você explora recursos num grau que ultrapassa o nível de reabastecimento, seus recursos vão colapsar. Esta é outra palavra que nos lembra da conexão. O OED (The Oxford English Dictionary) tem 69 definições para a palavra stock. Quando significa uma poupança ou uma loja, a palavra evoca a “tronco” - ou recurso – de uma árvore, “do qual provêm os ganhos” (4). O colapso ocorre quando você poda tão pesadamente essa árvore que ela morre. A ecologia é o recurso de onde toda riqueza provém.

As duas crises se alimentam uma da outra. Como resultado do colapso financeiro da Islândia, ela agora considera unir-se à União Européia, o que implica submeter seus recursos da pesca à Política de Pesca Comum. O primeiro ministro islandês já disse que seus compatriotas se dedicam a explorar os oceanos (5). O desastre econômico vai causar um ecológico.

Geralmente é o contrário o que ocorre. No seu livro Collapse, Jared Diamond mostra como as crises ecológicas frequentemente são um prelúdio de catástrofes sociais (6). O exemplo óbvio é o da Ilha de Páscoa, em que a sociedade rapidamente se desintegrou após ter alcançado seus números históricos mais elevados das construções de monumentos de pedras, tendo cortado as últimas árvores. Os governantes da Ilha competiam sobre quem erigia estátuas maiores. Isso requeria madeira e cordas (feitas das suas cascas) para transportar as pedras, e comida extra para os trabalhadores. Como essas árvores e esse solo de que eles dependiam desapareceram, a população se desintegrou e os sobreviventes se voltaram para o canibalismo. (Esperamos que a Islândia não chegue a esse ponto).

Diamond se pergunta o que o morador da Ilha de Páscoa que cortou a última palmeira deve ter pensado: “Será que ele gritou como um madeireiro moderno 'Empregos, não árvores!'? Ou: 'A tecnologia vai resolver nossos problemas, não precisa temer, vamos encontrar um substituto para madeira'? Ou: 'Não temos provas de que não há palmeiras em algum outro lugar mais a leste...sua proposta de banir a derrubada de árvores é prematura e dirigida por mercadores do medo'?(7).

O colapso ecológico, mostra Diamond, é como se fosse o resultado do sucesso econômico da falência econômica. Os Maias da América Central, por exemplo, estavam entre os mais avançados e bem sucedidos povos de seu tempo. Mas uma combinação de crescimento populacional, projetos extravagantes de construção e empobrecimento do solo utilizado varreu do mapa entre 90 e 99% da sua população. O colapso dos Maias foi acelerado por “competição entre reis e nobres que levou à ênfase crônica na guerra e na ereção de monumentos, no lugar de resolver os problemas subjacentes” (8). Será que algum desses fatos soa familiar?

Mais uma vez, os grandes monumentos foram erigidos logo antes da quebradeira ambiental. De novo, essa extravagância é parcialmente responsável pelo colapso: árvores foram usadas para fazer emplastros para decorar seus templos. O emplastro se tornou cada vez mais pesado, enquanto os reis tentavam se superar na evidência da destruição alheia.

Eis algumas razões pelas quais as pessoas fracassam em prevenir colapsos ecológicos. Seus recursos parecem, à primeira vista, inesgotáveis; a tendência de esgotamento a longo prazo é conciliada com flutuações de curto prazo; um pequeno número de pessoas poderosas sobrepõem seus interesses aos de todos os outros; os lucros de curto prazo triunfam sobre a sobrevivência no longo prazo. O mesmo, em todos os casos, pode ser dito do colapso dos sistemas financeiros. É assim que os seres humanos estão destinados a se comportar? Se não pudéssemos agir até que os recursos – de qualquer tipo – caiam no esquecimento, estaríamos acabados.

Porém, um dos benefícios da modernidade é nossa capacidade de perceber as tendências e prever resultados. Se a população de peixes num ecossistema esgotado cresce 5% ao ano e a pesca se expande em 10% ao ano, a atividade pesqueira vai colapsar. Se a economia global permanece crescendo 3% ao ano (ou 1700% num século) isso também vai bater no teto.

Eu não vou sugerir, como um certo patife que partilha o mesmo nome comigo fez nestas páginas no ano passado, que nós deveríamos receber bem uma recessão (9). Mas a crise financeira nos propicia uma oportunidade para repensar essa trajetória; uma oportunidade não disponível nos períodos de euforia econômica. Os governantes que estão reestruturando suas economias deveriam ler o livro de Herman Daly, Seady-State Economics. (10)

Como é de hábito, eu não deixei espaço suficiente para discutir isso, então os detalhes eu deixo para outra coluna. Ou você pode ler a resenha publicada pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável. (11) Mas o que Daily sugere é que as nações que já são ricas deveriam trocar crescimento (“mais do mesmo”) por desenvolvimento (“a mesma quantidade de coisa melhor”). Uma economia estável de Estado tem uma quantidade de capital mantida por um padrão de lucro não mais alto do que o ecossistema pode absorver. O uso dos recursos é fixado e o direito a explorá-los é licitado. A pobreza é encaminhada para a redistribuição da riqueza. Os bancos podem emprestar tanto quanto possuem.

Alternativamente, podemos persistir no pensamento mágico cujos resultados têm acabado de quebrar a casa. A crise financeira mostra o que acontece quando tentamos adequar os fatos aos nossos desejos. Agora devemos aprender a viver num mundo real.

* George Monbiot é escritor e jornalista e mantém uma coluna semanal no jornal britânico The Guardian.

(1) Richard Black, 10th October 2008. Nature loss ‘dwarfs bank crisis’. BBC Online. http://news.bbc.co.uk/1/hi/sci/tech/7662565.stm

(2) Gordon Brown, 20th June 2007. Speech to Mansion House. http://www.hm-treasury.gov.uk/2014.htm

(3) Gordon Brown, 16th June 2004. Speech to Mansion House. http://www.hm-treasury.gov.uk/1534.htm

(4) Oxford English Dictionary, 1989. Second Edition.

(5) Niklas Magnusson, 10th October 2008. Iceland Premier Tells Nation to Go Fishing After Banks Implode.
http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601087&sid=azZ189JG.1S8&refer=home

(6) Jared Diamond, 2005. Collapse: how societies choose to survive or fail. Allen Lane, London

(7) p. 114

(8) p. 160

(9) George Monbiot, 9th October 2007. Bring on the Recession. The Guardian.
http://www.monbiot.com/archives/2007/10/09/bring-on-the-recession/

(10) Herman E. Daly, 1991. Steady-State Economics - 2nd Edition. Island Press, Washington DC.

(11) Herman E. Daly, 24th April 2008. A Steady-State Economy. Sustainable Development Commission. http://www.sd-commission.org.uk/publications/downloads/Herman_Daly_thinkpiece.pdf

Tradução: Katarina Peixoto

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Capital-dinheiro e capital efetivo

E não é que o barbudo estava certo?
"Em um sistema de produção em que toda a trama do processo de reprodução repousa sobre o crédito, quando este cessa repentinamente e somente se admitem pagamentos em dinheiro, tem que produzir-se imediatamente uma crise, uma demanda forte e atropelada de meios de pagamento.

Por isso, à primeira vista, a crise aparece como uma simples crise de crédito e de dinheiro líquido. E, em realidade, trata-se somente da conversão de letras de câmbio em dinheiro. Mas essas letras representam, em sua maioria, compras e vendas reais, as quais, ao sentirem a necessidade de expandir-se amplamente, acabam servindo de base a toda a crise.

Mas, ao lado disto, há uma massa enorme dessas letras que só representam negócios de especulação, que agora se desnudam e explodem como bolhas de sabão, ademais, especulações sobre capitais alheios, mas fracassadas; finalmente, capitais-mercadorias desvalorizados ou até encalhados, ou um refluxo de capital já irrealizável. E todo esse sistema artificial de extensão violenta do processo de reprodução não pode corrigir-se, naturalmente. O Banco da Inglaterra, por exemplo, entregue aos especuladores, com seus bônus, o capital que lhes falta, impede que comprem todas as mercadorias desvalorizadas por seus antigos valores nominais.

No mais, aqui tudo aparece invertido, pois num mundo feito de papel não se revelam nunca o preço real e seus fatores, mas sim somente barras, dinheiro metálico, bônus bancários, letras de câmbio, títulos e valores.

E esta inversão se manifesta em todos os lugares onde se condensa o negócio de dinheiro do país, como ocorre em Londres; todo o processo aparece como inexplicável, menos nos locais mesmo da produção."

Fragmento de "O Capital", Volume 3, Capítulo 30, Capital-dinheiro e capital efetivo, Karl Marx (1818-1883). Colaborou Carol, da redação Consciência.Net.

A farra financeira consensuada pelas elites

Enquanto a mídia corporativa brasileira fala em crise, há décadas ativistas e intelectuais denunciam o caráter explorador do sistema financeiro. De um lado, especuladores e banqueiros alimentam-se da desordem mundial da globalização financeira. Do outro, trabalhadores em todo o planeta arcam com custos da “economia de cassino” dos EUA. Por Gustavo Barreto (*), da redação.


Como resultado de um intenso bombardeio midiático, me peguei diversas vezes classificando os recentes acontecimentos no sistema financeiro global como uma “crise”. Trata-se, no entanto – de forma muito evidente, inclusive –, de um conhecido processo estudado e identificado há décadas por gente como o economista brasileiro Celso Furtado.

O noticiário econômico acerca deste processo de falências e estatizações que ora ocorre nos EUA segue um padrão jornalístico já há algum tempo observado. As estatísticas são lançadas em função de uma dominação das elites sobre o aparelho de Estado, realidade que é presente no Brasil, de fato, porém de forma muito mais evidente nos Estados Unidos, como veremos a seguir.

Conforme destacou o jornalista Bernardo Kucinski [01] analisando o cenário brasileiro, “divulgam quanto cresceu o PIB (Produto Interno Bruto), porque esse dado é importante para o empresariado. Mas a participação do salário na renda nacional parou de ser divulgada há anos, desde que caiu abaixo de níveis civilizados (...) Divulgam-se detalhadamente os itens de pauta das exportações, mas não os detalhes de gastos com royalties e patentes. Seu conhecimento geraria uma atitude crítica em relação à renumeração dos capitais financeiros”. E alerta: “Quase tudo pode ser provado em economia, manipulando-se estatísticas”.

O sociólogo Luiz Gonzaga Belluzzo tratou de lembrar que o neoliberalismo, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nunca desejou o “Estado mínimo”, pois precisa de Estados nacionais fortes para utilizar o poder político e fiscal destes, com o objetivo de fortalecer os respectivos sistemas empresariais (incluindo os mercados financeiros e de capitais). O propósito é o de ganhar espaço na arena global. “Nessa toada, as reformas [ditas neoliberais, dos anos 70] atropelaram as instituições destinadas a garantir a segurança econômica e social da maioria assalariada ou dependente”,avalia Belluzzo. E conclui: “O Estado não saiu de cena, apenas mudou de agenda” [02].

Até mesmo no Brasil, durante a onda de privatizações e entreguismo dos oito anos do Governo FHC, foi observado durante o seminário da Rede de Economia Global (REGGEN) de 2003 que, ao contrário do que muitos propunham, os dados mostravam que o investimento público cresceu, porém foi – conforme denuncia Belluzzo – direcionado para a “iniciativa privada” [03].

O próprio termo “iniciativa privada” é contraditório, pois, como veremos, muitas vezes a iniciativa é do Estado, com dinheiro público, e o setor privado se apropria destes recursos por meio de ações fraudulentas e lesivas aos cofres públicos. Vide, entre outros inúmeros casos, a privatização da ex-estatal brasileira Vale do Rio Doce, que opera no setor de extração de recursos naturais, centralmente estratégico para o país.

Contradições negligenciadas

O noticiário da mídia corporativa procura fixar os atuais acontecimentos a poucos tópicos, sem discutir a seriedade e complexidade do problema, como, por exemplo, a falta de controle do sistema financeiro. O analista político Noam Chomsky aponta há décadas as contradições de um sistema fadado ao fracasso: “Uma instituição privada tem um objetivo: maximizar os lucros e minimizar as condições humanas. Porque isso maximiza os lucros. Isso é o que eles perseguem. Eles não poderiam perseguir nada além disso. Se o sistema é minimamente competitivo, eles precisam fazer isso. É a natureza do sistema (...) Haverá bastante dinheiro do contribuinte entrando nos fundos para não deixar que seus lucros caiam” [04].

É preciso um esforço para não considerar como custos apenas os gastos feitos diretamente pelo governo num contexto de “crise” – tal como a proposta de gastar US$ 700 bilhões na compra de títulos “podres”. Há muitos outros custos que são vendidos como grandes benefícios do capitalismo moderno.

Um dos exemplos utilizados por Chomsky é comum a todos os brasileiros: “Digamos que você telefone para conseguir uma passagem aérea [ou outro serviço que dependa desta forma de atendimento]. As empresas aéreas são automatizadas, o que lhes economiza um monte de dinheiro. Os economistas podem constatar que isto é muito eficiente. Por outro lado, quando você dá o telefonema. Isso está lhe custando dinheiro, você fica sentado lá, por meia hora, enquanto você fica ouvindo aquelas mensagens, ‘Obrigado por nos ligar’, ‘Agradecemos sua ligação’, ‘Nós o amamos’, ‘Espere um momento’, ‘O próximo operador lhe atenderá em seguida’... e aí entra a música. Todo esse tempo tem um custo para você. Mas não é um custo que alguém meça”.

Até o momento, nem um único economista distinto ou jornalista venerável, com espaço e destaque na televisão, questionou qual é o custo de não gastar este dinheiro – R$ 700 bilhões! – no sistema de saúde ou educacional. Ressalta-se que os “custos” são gerados por decisões tomadas e por decisões não tomadas – a inércia política. O caos no sistema de saúde americano – conforme denunciou o documentarista Michael Moore – ou o aumento da fome no mundo entre 2006 e 2007 – denunciado há poucos dias pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – não geram manchetes de “crise”.

Chomsky conclui, ainda dentro do exemplo acima referido: “O custo é multiplicado pelo número de usuários. É uma grande soma. Pegue o custo do indivíduo, multiplique pelo número de pessoas usando o serviço, compare isso com a eficiência da automação e você talvez venha a descobrir que a automação é uma total perda para a economia. Mas é um ganho da maneira como é calculada”.

Caça aos “culpados”

O discurso oficial da mídia (TV Globo, GloboNews, Record, Bandeirantes e grandes jornais do Rio e São Paulo, avaliados nesta segunda 22) tenta sutilmente culpar um punhado de CEOs [chief executive officer], os diretores de grandes transnacionais financeiras, pela debandada do sistema financeiro americano.

A âncora da GloboNews chegou a perguntar a um ex-ministro da Fazenda se eles [os CEOs] não deveriam ser penalizados. O “comentarista” disse que sim, que eles deveriam ser punidos. “Os executivos deveriam não receber seus benefícios e até mesmo devolver alguns que já receberam”, disse. O falso debate – com esta gravíssima punição sugerida, destaca-se! – está formado.

É preciso ser muito astuto para imaginar que, por conta de erros pessoais, individuais, o Banco Central americano (FED) tenha decidido injetar outros 95 bilhões de dólares nos bancos em chamadas “operações de refinanciamento de rotina”. Prestem atenção: esta medida foi anunciada nesta segunda (22), para além da proposta da Casa Branca enviada ao Congresso e dos 315 bilhões da semana passada.

Não coube a esta emissora questionar se não estaria havendo uma falência deste sistema, proclamado por especialistas de plantão como liberal, o mesmo sistema que agora se vê obrigado a recorrer ao dinheiro do contribuinte para supostamente não afundar.

Como estão envergonhados, digamos objetivamente aqui o que está se salvando: a barra dos “investidores”, os acionistas, gente que tem dinheiro o suficiente para injetar milhares de dólares nesses bancos. A população, conforme denunciaram parlamentares nos EUA, não vão receber nenhum apoio, segundo a proposta do governo. Apesar manter suas crescentes dívidas no “crédito” imobiliário que, no final das contas, era mais uma bolha.

Alguns congressistas, a despeito da pressão política do sistema financeiro, pediram no “ato” administrativo proposto pela Casa Branca o mais básico de todos os principais governamentais: regras! É curioso que nenhum telejornal tenha citado alguns dos trechos do pequenino documento (de apenas 3 páginas) que a secretaria do Tesouro dos EUA criou para abocanhar 700 bilhões de dólares.

A Casa Branca determina, por exemplo, que “a secretaria está autorizada a tomar tais ações à medida que a secretaria considerar necessárias para realizar os poderes deste ato, inclusive, sem limitação (...)”. Em outro trecho define: “Quaisquer verbas usadas para ações autorizadas por este ato, incluindo o pagamento de despesas administrativas, devem ser consideradas apropriadas no momento de tais gastos” [05].

A imprensa manteve o velho estilo parcial de sempre – o secretário de Tesouro dos EUA era o único que aparecia durante a primeira semana de crise. “Os investidores do mundo inteiro estão com a atenção voltada para o Congresso americano”, repetia a GloboNews na própria segunda-feira (22). “A Globalização não deve ser responsabilizada”, ecoa outro correspondente da Globo, reproduzindo – é claro – voz oficial. Para falarem da ‘crise’, convocaram apenas ex-diretores do Banco Central e banqueiros.

“Cadê a tal independência?”

A jornalista e apresentadora Lilian White Fibe, no último programa ‘Roda Viva’ (TV Cultura) da segunda (22), fez uma pergunta franca e direta ao entrevistado, o economista Ilan Goldfajn, que já foi diretor de política econômica do Banco Central (BC) brasileiro e atualmente é pesquisador da PUC Rio. Ela questionou firmemente: “Então, professor, cadê a tal independência do Banco Central americano, o tal Banco Central mais independente do mundo?”

A resposta não poderia ter sido mais risível, porém esclarecedora. Ilan disse que o FED – o BC americano – continuava independente, na opinião dele, e que o fato de o anúncio ter sido eminentemente político não mudava esta posição. O governo americano, argumentou Ilan, foi até o FED e este, por sua vez, colocou as opções mais “razoáveis” na mesa. O governo americano, então, acatou...

Em suma: quem manda nas finanças do mundo – o que inclui deter a chave dos cofres do governo mais rico do mundo – são os financistas de Wall Street. Ou seja, os responsáveis pelo caos que a presidente argentina classificou como “economia de cassino dos EUA”.
Já Giuliano Guandalini, editor de economia da revista Veja, procurou – a serviço do tipo de imprensa mais vendida que existe no Brasil – defender os “mercados”, que estão inevitavelmente sofrendo ataques até mesmo de grupos conservadores. Giuliano argumentou – em formato de “pergunta” para Ilan – que o sistema não era falho, já que havia proporcionado ganhos consideráveis durante muitos anos.

Aqui, novamente, faz-se uma observação risível e reveladora. Se os investidores se beneficiaram enormemente deste sistema que, como muitos agora lembram, privatiza os lucros e socializa os prejuízos, por que o governo não utiliza parte destes lucros e paga a “conta” da farra? Por que, afinal, o dinheiro tem que vir do bolso do contribuinte, e não destas empresas de “investimento de risco”?

A resposta é simples. A saída, para o esquema neoliberal, não admite outra coisa senão socializar os prejuízos. Fazer os capitalistas pagarem a conta – até Arnaldo Jabor anda falando mal deles! – é muito perigoso. Seria como, digamos, “confiscar bens”! Confiscar bens de capitalistas não é permitido.

Farra com dinheiro (do) público

Os meios de comunicação evitam passear por este debate e, inclusive, se negam a falar em estatização. Até porque estatizar é coisa de gente como Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Trata-se, no linguajar da mídia corporativa, de uma “intervenção” – mesmo que o governo tenha confiscado, por meio de cláusula contratual, 80% das ações da AIG, por exemplo.

Emir Sader, num artigo de 2004, explica como funciona um dos instrumentos correntes de privatização dos lucros e socialização dos riscos: “Entre em um banco e deposite 100 reais em uma caderneta de poupança. O funcionário lhe dirá para retornar daqui a um mês, para receber seus polpudos dividendos, algo como R$ 100,60. Em seguida, ao mesmo funcionário, no mesmo balcão, você pede 100 reais emprestados. Receberá a resposta de que – além de todos os trâmites de cadastro, garantia, ficha pregressa etc. –, deverá pagar, daqui a um mês, algo como 109 reais. Essa ‘pequena’ diferença - algo como 15 vezes mais - é o que os bancos e os economistas, ministros, presidentes de bancos centrais, e todos os que funcionam como seus ventríloquos, chamam de spread. Em inglês, para melhor disfarçar, como convêm ao economês”.

Mas o que é o spread? “Os dicionários falam sempre de algo como ''extensão'', ''propagação'', ''expansão'', no máximo ''pasta para passar no pão''. Nada que possa esclarecer essa estranha mágica de pagar 0,6% e cobrar 9% ao mês e que faz a felicidade dos bancos e propicia os recordes de lucratividade do sistema financeiro – batidos novamente esta semana – à custa de quem não vive da especulação. Os dicionários de economia esclarecem que spread é a diferença entre o quanto os bancos pagam e o quanto recebem; em outras palavras, o lucro dos bancos. Nenhum investimento permite ganhar tanto, em prazo tão curto, com tanta liquidez e pouco ou nada de imposto - recordemos que investimentos estrangeiros na Bovespa não pagam imposto, ao contrário da cesta básica, de livros etc” [06] [leia mais sobre este mecanismo brutal de exploração do trabalhador na referência do artigo].

O Jornal Nacional da quarta-feira (17), ainda assustado com a derrocada de um projeto que defende diariamente, abriu falando sobre “a maior intervenção dos EUA” no setor privado. Já naquele dia, o governo havia comprometido mais de 300 bilhões de dólares nas empresas falidas. E, como sempre, deram voz ao Ser Supremo, Vossa Divindade: “Mesmo assim, o mercado não se acalmou”.

O apresentador William Bonner falou em “crise de confiança que atinge o mercado financeiro”. Não pretende explicar que a crise não é de confiança, porque seria muito perigoso que o telespectador que o vê e o ouve – aquele que é metade Homer Simpson metade Lineu, lembra? [07] – fique sabendo que não são apenas os títulos que o governo comprará que são podres, e sim o próprio sistema de jogatina que diversos ativistas denunciam há décadas. Insistem no discurso vazio: “E mais um sinal da crise de confiança que atinge o mercado financeiro: um outro banco americano, o Washington Mutual, anunciou que está à venda. Procura um comprador para salvá-lo da crise” [08].

Lula faz discurso duro sobre crise e é ignorado pela mídia

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez, na abertura do debate geral da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas, um dos discursos mais importantes de seu mandato, agregando elementos como conhecimento histórico, síntese política, momento oportuno e amplitude de temas. Destaca-se que o Brasil sempre abre os debates, por tradição, o que se configura em um importante aspecto de prestígio.

O Jornal da Globo (TV Globo) desta terça-feira (23), dia do discurso, procurou esconder a fala de Lula, ao citar apenas um trecho insignificante e, ainda por cima, dizer que o “discurso mais esperado” era o do presidente Bush. Como sempre, o mandatário estadunidense teve uma participação pífia, ordinária e mentirosa, que nem sequer vale nota de rodapé.

Lula, no entanto, sem nenhum sentimento de nacionalismo ou partidarismo, falou o que poucos têm condição ou coragem de pôr em pauta. Logo no início, o brasileiro registra: “A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial. As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política”.

Evidentemente que o povo brasileiro não terá acesso, nos jornais e telejornais populares, a uma explicação detalhada sobre o que Lula quis dizer com “fundamentalistas de mercado”. “A ausência de regras”, completa o presidente, favorece os “aventureiros e oportunistas” (sic), em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores. “É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores”.

Novamente, seria perigoso demais que os Willians da TV Globo (Bonner ou Waack) retomassem o pensamento de Celso Furtado. Seria perigoso, pois poderia desencadear questionamentos sobre o funcionamento da própria lógica de privatização dos lucros e socialização dos riscos que ora ocorre no Brasil, tal como a lógica que permite o spread bancário.

Eles poderiam explicar, por exemplo, que a globalização financeira alimenta-se da desordem monetária causada pelo fim das paridades fixas entre moedas fortes. As regras, neste caso, são parecidas com as regras de um grande cassino em Las Vegas. O pano de fundo, comenta o jornalista Bernardo Kucinski [09], é a lenta agonia da cultura monetária baseada no dólar. Enquanto o Japão acumula, por exemplo, grandes saldos em seu comércio exterior, os Estados Unidos tentam manter a hegemonia do dólar, numa espécie de “fuga para o futuro”, na expressão de Furtado. Nesta tentativa, arrastaram para uma crise estrutural nos anos 90 países que têm dívidas em dólar – incluindo o Brasil.

Kucinski demonstra como funciona este “novo sistema de dominação” baseado no endividamento, igualmente registrado no balanço de pagamentos e consolidado em grandes tábuas mundiais da dívida externa, compiladas pelo Banco Mundial: “Essas tábuas mostram que, entre 1980 e 1991, os países da periferia pagaram US$ 607 bilhões de juros, mais do que o valor original da dívida, que, no entanto, nesse mesmo período saltou de US$ 573 bilhões para US$ 1281 bilhões”. Em outras palavras: quantas mais estes países pagam, mais devem.

No Brasil, o pagamento dos juros é a rubrica que consome a maior quantidade de recursos públicos. Só nos primeiros meses de 2008, o governo gastou com juros R$ 106,8 bilhões, ou 6,7% do PIB. É possível imaginar, diante de tão obscuros números, que nem todo o dinheiro da “ajuda” financeira que os EUA deram e pretendem dar às instituições financeiras são de contribuintes americanos. Há também brasileiros, argentinos, bolivianos, venezuelanos, chilenos... [10]

“Fuga para o futuro”

Esta mesma lógica especulativa de fuga para o futuro, com a política de redução da taxa de juros sem controle sobre o crédito, é um fator essencial para o estouro da bolha especulativa nos mercados de hipotecas. Agora, os neoliberais de plantão, com amplo suporte dos amigos jornalistas da mídia corporativa, tratam de tentar transferir os riscos para os indivíduos dispersos.

Em vez de abordar estes temas, a TV Globo preferiu exibir uma charge em que sugere Lula e seus assessores vão à ONU, na verdade, para vender biocombustíveis ele próprio, como se fosse um mercador querendo vender a matéria prima de seu país. Este é o “humor” praticado na Rede Globo [11].

Lula defendeu o papel da ONU na criação de “mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras” contra o que classificou como “anarquia especulativa”.

Muros da globalização

Mantendo a coesão entre os temas, em um dos mais importantes trechos, Lula criticou duramente o caráter totalitário da globalização financeira: “O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros muros foram se construindo, e com enorme velocidade. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados”.

E partiu objetivamente para a defesa de governos como o da Venezuela e da Bolívia: “Um suposto ‘nacionalismo populista’, que alguns pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, é praticado sem constrangimento em países ricos”, complementando com algumas considerações sobre a importância da aliança dos países do sul, em particular da América Latina.

“Em meu continente, a Unasul, criada em maio deste ano, é o primeiro tratado – em 200 anos de vida independente – que congrega todos os países sul-americanos. Com essa nova união política vamos articular os países da região em termos de infra-estrutura, energia, políticas sociais, complementaridade produtiva, finanças e defesa” [12].

Na mídia corporativa brasileira, ao que tudo indica, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) nem sequer existe – apesar dos seus inúmeros êxitos políticos. O motivo dos neoliberais da mídia brasileira (hoje envergonhados) para esconder esta iniciativa é justamente o seu sucesso. E um outro detalhe: a sede da União será localizada em Quito, capital do Equador, o Banco do Sul será na capital da Venezuela, Caracas, e o seu parlamento será localizado em Cochabamba, na Bolívia.

(*) Gustavo Barreto é editor da Revista Consciência.Net e editor de Internacional do Fazendo Media.


REFERÊNCIAS
01 Kucinski, Bernardo. Jornalismo Econômico. SP: EDUSP, 2000
02 Belluzo, Luiz Gonzaga. “A turma do ‘Veja Bem’...”. Revista Carta Capital. 17 set. 2008. No 513.
03 A Revista Consciência.Net realizou a cobertura do REGGEN 2003. Disponível em http://www.consciencia.net/reggen/reggen2003.html
04 Chomsky, Noam; Barsamian, David. Propaganda e consciência popular. Bauru, SP: EDUSC, 2003. Págs 166-167.
05 “Leia o projeto de socorro do Tesouro”. Folha de S. Paulo. 22 set. 2008.
06 Sader, Emir. 'Spread' ou a farra especulativa. Jornal do Brasil. 22 fev. 2004.
07 “William Bonner: meio Homer, meio Lineu”. Revista Consciência.Net. Dez. 2005.
08 “Crise de confiança na economia dos EUA se acentua”. Jornal Nacional (TV Globo). 17 set. 2008.
09 Kucinski, Bernardo. Jornalismo Econômico. SP: Edusp, 2000.
10 Para dados recentes, visitar http://www.jubileubrasil.org.br/
11 Charge animada do Jornal da Globo, TV Globo. 23 set. 2008.
12 Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do debate geral da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas (Nova Iorque - EUA). Presidência da República. 23 set. 2008.



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A farra financeira consensuada pelas elites

Enquanto a mídia corporativa brasileira fala em crise, há décadas ativistas e intelectuais denunciam o caráter explorador do sistema financeiro. De um lado, especuladores e banqueiros alimentam-se da desordem mundial da globalização financeira. Do outro, trabalhadores em todo o planeta arcam com custos da “economia de cassino” dos EUA. Por Gustavo Barreto (*), da redação. Leia mais clicando aqui.

Como resultado de um intenso bombardeio midiático, me peguei diversas vezes classificando os recentes acontecimentos no sistema financeiro global como uma “crise”. Trata-se, no entanto – de forma muito evidente, inclusive –, de um conhecido processo estudado e identificado há décadas por gente como o economista brasileiro Celso Furtado.

O noticiário econômico acerca deste processo de falências e estatizações que ora ocorre nos EUA segue um padrão jornalístico já há algum tempo observado. As estatísticas são lançadas em função de uma dominação das elites sobre o aparelho de Estado, realidade que é presente no Brasil, de fato, porém de forma muito mais evidente nos Estados Unidos, como veremos a seguir.

Conforme destacou o jornalista Bernardo Kucinski [01] analisando o cenário brasileiro, “divulgam quanto cresceu o PIB (Produto Interno Bruto), porque esse dado é importante para o empresariado. Mas a participação do salário na renda nacional parou de ser divulgada há anos, desde que caiu abaixo de níveis civilizados (...) Divulgam-se detalhadamente os itens de pauta das exportações, mas não os detalhes de gastos com royalties e patentes. Seu conhecimento geraria uma atitude crítica em relação à renumeração dos capitais financeiros”. E alerta: “Quase tudo pode ser provado em economia, manipulando-se estatísticas”.

O sociólogo Luiz Gonzaga Belluzzo tratou de lembrar que o neoliberalismo, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nunca desejou o “Estado mínimo”, pois precisa de Estados nacionais fortes para utilizar o poder político e fiscal destes, com o objetivo de fortalecer os respectivos sistemas empresariais (incluindo os mercados financeiros e de capitais). O propósito é o de ganhar espaço na arena global. “Nessa toada, as reformas [ditas neoliberais, dos anos 70] atropelaram as instituições destinadas a garantir a segurança econômica e social da maioria assalariada ou dependente”,avalia Belluzzo. E conclui: “O Estado não saiu de cena, apenas mudou de agenda” [02].

Até mesmo no Brasil, durante a onda de privatizações e entreguismo dos oito anos do Governo FHC, foi observado durante o seminário da Rede de Economia Global (REGGEN) de 2003 que, ao contrário do que muitos propunham, os dados mostravam que o investimento público cresceu, porém foi – conforme denuncia Belluzzo – direcionado para a “iniciativa privada” [03].

O próprio termo “iniciativa privada” é contraditório, pois, como veremos, muitas vezes a iniciativa é do Estado, com dinheiro público, e o setor privado se apropria destes recursos por meio de ações fraudulentas e lesivas aos cofres públicos. Vide, entre outros inúmeros casos, a privatização da ex-estatal brasileira Vale do Rio Doce, que opera no setor de extração de recursos naturais, centralmente estratégico para o país.

Contradições negligenciadas

O noticiário da mídia corporativa procura fixar os atuais acontecimentos a poucos tópicos, sem discutir a seriedade e complexidade do problema, como, por exemplo, a falta de controle do sistema financeiro. O analista político Noam Chomsky aponta há décadas as contradições de um sistema fadado ao fracasso: “Uma instituição privada tem um objetivo: maximizar os lucros e minimizar as condições humanas. Porque isso maximiza os lucros. Isso é o que eles perseguem. Eles não poderiam perseguir nada além disso. Se o sistema é minimamente competitivo, eles precisam fazer isso. É a natureza do sistema (...) Haverá bastante dinheiro do contribuinte entrando nos fundos para não deixar que seus lucros caiam” [04].

É preciso um esforço para não considerar como custos apenas os gastos feitos diretamente pelo governo num contexto de “crise” – tal como a proposta de gastar US$ 700 bilhões na compra de títulos “podres”. Há muitos outros custos que são vendidos como grandes benefícios do capitalismo moderno.

Um dos exemplos utilizados por Chomsky é comum a todos os brasileiros: “Digamos que você telefone para conseguir uma passagem aérea [ou outro serviço que dependa desta forma de atendimento]. As empresas aéreas são automatizadas, o que lhes economiza um monte de dinheiro. Os economistas podem constatar que isto é muito eficiente. Por outro lado, quando você dá o telefonema. Isso está lhe custando dinheiro, você fica sentado lá, por meia hora, enquanto você fica ouvindo aquelas mensagens, ‘Obrigado por nos ligar’, ‘Agradecemos sua ligação’, ‘Nós o amamos’, ‘Espere um momento’, ‘O próximo operador lhe atenderá em seguida’... e aí entra a música. Todo esse tempo tem um custo para você. Mas não é um custo que alguém meça”.

Até o momento, nem um único economista distinto ou jornalista venerável, com espaço e destaque na televisão, questionou qual é o custo de não gastar este dinheiro – R$ 700 bilhões! – no sistema de saúde ou educacional. Ressalta-se que os “custos” são gerados por decisões tomadas e por decisões não tomadas – a inércia política. O caos no sistema de saúde americano – conforme denunciou o documentarista Michael Moore – ou o aumento da fome no mundo entre 2006 e 2007 – denunciado há poucos dias pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – não geram manchetes de “crise”.

Chomsky conclui, ainda dentro do exemplo acima referido: “O custo é multiplicado pelo número de usuários. É uma grande soma. Pegue o custo do indivíduo, multiplique pelo número de pessoas usando o serviço, compare isso com a eficiência da automação e você talvez venha a descobrir que a automação é uma total perda para a economia. Mas é um ganho da maneira como é calculada”.

Caça aos “culpados”

O discurso oficial da mídia (TV Globo, GloboNews, Record, Bandeirantes e grandes jornais do Rio e São Paulo, avaliados nesta segunda 22) tenta sutilmente culpar um punhado de CEOs [chief executive officer], os diretores de grandes transnacionais financeiras, pela debandada do sistema financeiro americano.

A âncora da GloboNews chegou a perguntar a um ex-ministro da Fazenda se eles [os CEOs] não deveriam ser penalizados. O “comentarista” disse que sim, que eles deveriam ser punidos. “Os executivos deveriam não receber seus benefícios e até mesmo devolver alguns que já receberam”, disse. O falso debate – com esta gravíssima punição sugerida, destaca-se! – está formado.

É preciso ser muito astuto para imaginar que, por conta de erros pessoais, individuais, o Banco Central americano (FED) tenha decidido injetar outros 95 bilhões de dólares nos bancos em chamadas “operações de refinanciamento de rotina”. Prestem atenção: esta medida foi anunciada nesta segunda (22), para além da proposta da Casa Branca enviada ao Congresso e dos 315 bilhões da semana passada.

Não coube a esta emissora questionar se não estaria havendo uma falência deste sistema, proclamado por especialistas de plantão como liberal, o mesmo sistema que agora se vê obrigado a recorrer ao dinheiro do contribuinte para supostamente não afundar.

Como estão envergonhados, digamos objetivamente aqui o que está se salvando: a barra dos “investidores”, os acionistas, gente que tem dinheiro o suficiente para injetar milhares de dólares nesses bancos. A população, conforme denunciaram parlamentares nos EUA, não vão receber nenhum apoio, segundo a proposta do governo. Apesar manter suas crescentes dívidas no “crédito” imobiliário que, no final das contas, era mais uma bolha.

Alguns congressistas, a despeito da pressão política do sistema financeiro, pediram no “ato” administrativo proposto pela Casa Branca o mais básico de todos os principais governamentais: regras! É curioso que nenhum telejornal tenha citado alguns dos trechos do pequenino documento (de apenas 3 páginas) que a secretaria do Tesouro dos EUA criou para abocanhar 700 bilhões de dólares.

A Casa Branca determina, por exemplo, que “a secretaria está autorizada a tomar tais ações à medida que a secretaria considerar necessárias para realizar os poderes deste ato, inclusive, sem limitação (...)”. Em outro trecho define: “Quaisquer verbas usadas para ações autorizadas por este ato, incluindo o pagamento de despesas administrativas, devem ser consideradas apropriadas no momento de tais gastos” [05].

A imprensa manteve o velho estilo parcial de sempre – o secretário de Tesouro dos EUA era o único que aparecia durante a primeira semana de crise. “Os investidores do mundo inteiro estão com a atenção voltada para o Congresso americano”, repetia a GloboNews na própria segunda-feira (22). “A Globalização não deve ser responsabilizada”, ecoa outro correspondente da Globo, reproduzindo – é claro – voz oficial. Para falarem da ‘crise’, convocaram apenas ex-diretores do Banco Central e banqueiros.

“Cadê a tal independência?”

A jornalista e apresentadora Lilian White Fibe, no último programa ‘Roda Viva’ (TV Cultura) da segunda (22), fez uma pergunta franca e direta ao entrevistado, o economista Ilan Goldfajn, que já foi diretor de política econômica do Banco Central (BC) brasileiro e atualmente é pesquisador da PUC Rio. Ela questionou firmemente: “Então, professor, cadê a tal independência do Banco Central americano, o tal Banco Central mais independente do mundo?”

A resposta não poderia ter sido mais risível, porém esclarecedora. Ilan disse que o FED – o BC americano – continuava independente, na opinião dele, e que o fato de o anúncio ter sido eminentemente político não mudava esta posição. O governo americano, argumentou Ilan, foi até o FED e este, por sua vez, colocou as opções mais “razoáveis” na mesa. O governo americano, então, acatou...

Em suma: quem manda nas finanças do mundo – o que inclui deter a chave dos cofres do governo mais rico do mundo – são os financistas de Wall Street. Ou seja, os responsáveis pelo caos que a presidente argentina classificou como “economia de cassino dos EUA”.
Já Giuliano Guandalini, editor de economia da revista Veja, procurou – a serviço do tipo de imprensa mais vendida que existe no Brasil – defender os “mercados”, que estão inevitavelmente sofrendo ataques até mesmo de grupos conservadores. Giuliano argumentou – em formato de “pergunta” para Ilan – que o sistema não era falho, já que havia proporcionado ganhos consideráveis durante muitos anos.

Aqui, novamente, faz-se uma observação risível e reveladora. Se os investidores se beneficiaram enormemente deste sistema que, como muitos agora lembram, privatiza os lucros e socializa os prejuízos, por que o governo não utiliza parte destes lucros e paga a “conta” da farra? Por que, afinal, o dinheiro tem que vir do bolso do contribuinte, e não destas empresas de “investimento de risco”?

A resposta é simples. A saída, para o esquema neoliberal, não admite outra coisa senão socializar os prejuízos. Fazer os capitalistas pagarem a conta – até Arnaldo Jabor anda falando mal deles! – é muito perigoso. Seria como, digamos, “confiscar bens”! Confiscar bens de capitalistas não é permitido.

Farra com dinheiro (do) público

Os meios de comunicação evitam passear por este debate e, inclusive, se negam a falar em estatização. Até porque estatizar é coisa de gente como Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Trata-se, no linguajar da mídia corporativa, de uma “intervenção” – mesmo que o governo tenha confiscado, por meio de cláusula contratual, 80% das ações da AIG, por exemplo.

Emir Sader, num artigo de 2004, explica como funciona um dos instrumentos correntes de privatização dos lucros e socialização dos riscos: “Entre em um banco e deposite 100 reais em uma caderneta de poupança. O funcionário lhe dirá para retornar daqui a um mês, para receber seus polpudos dividendos, algo como R$ 100,60. Em seguida, ao mesmo funcionário, no mesmo balcão, você pede 100 reais emprestados. Receberá a resposta de que – além de todos os trâmites de cadastro, garantia, ficha pregressa etc. –, deverá pagar, daqui a um mês, algo como 109 reais. Essa ‘pequena’ diferença - algo como 15 vezes mais - é o que os bancos e os economistas, ministros, presidentes de bancos centrais, e todos os que funcionam como seus ventríloquos, chamam de spread. Em inglês, para melhor disfarçar, como convêm ao economês”.

Mas o que é o spread? “Os dicionários falam sempre de algo como ''extensão'', ''propagação'', ''expansão'', no máximo ''pasta para passar no pão''. Nada que possa esclarecer essa estranha mágica de pagar 0,6% e cobrar 9% ao mês e que faz a felicidade dos bancos e propicia os recordes de lucratividade do sistema financeiro – batidos novamente esta semana – à custa de quem não vive da especulação. Os dicionários de economia esclarecem que spread é a diferença entre o quanto os bancos pagam e o quanto recebem; em outras palavras, o lucro dos bancos. Nenhum investimento permite ganhar tanto, em prazo tão curto, com tanta liquidez e pouco ou nada de imposto - recordemos que investimentos estrangeiros na Bovespa não pagam imposto, ao contrário da cesta básica, de livros etc” [06] [leia mais sobre este mecanismo brutal de exploração do trabalhador na referência do artigo].

O Jornal Nacional da quarta-feira (17), ainda assustado com a derrocada de um projeto que defende diariamente, abriu falando sobre “a maior intervenção dos EUA” no setor privado. Já naquele dia, o governo havia comprometido mais de 300 bilhões de dólares nas empresas falidas. E, como sempre, deram voz ao Ser Supremo, Vossa Divindade: “Mesmo assim, o mercado não se acalmou”.

O apresentador William Bonner falou em “crise de confiança que atinge o mercado financeiro”. Não pretende explicar que a crise não é de confiança, porque seria muito perigoso que o telespectador que o vê e o ouve – aquele que é metade Homer Simpson metade Lineu, lembra? [07] – fique sabendo que não são apenas os títulos que o governo comprará que são podres, e sim o próprio sistema de jogatina que diversos ativistas denunciam há décadas. Insistem no discurso vazio: “E mais um sinal da crise de confiança que atinge o mercado financeiro: um outro banco americano, o Washington Mutual, anunciou que está à venda. Procura um comprador para salvá-lo da crise” [08].

Lula faz discurso duro sobre crise e é ignorado pela mídia

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez, na abertura do debate geral da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas, um dos discursos mais importantes de seu mandato, agregando elementos como conhecimento histórico, síntese política, momento oportuno e amplitude de temas. Destaca-se que o Brasil sempre abre os debates, por tradição, o que se configura em um importante aspecto de prestígio.

O Jornal da Globo (TV Globo) desta terça-feira (23), dia do discurso, procurou esconder a fala de Lula, ao citar apenas um trecho insignificante e, ainda por cima, dizer que o “discurso mais esperado” era o do presidente Bush. Como sempre, o mandatário estadunidense teve uma participação pífia, ordinária e mentirosa, que nem sequer vale nota de rodapé.

Lula, no entanto, sem nenhum sentimento de nacionalismo ou partidarismo, falou o que poucos têm condição ou coragem de pôr em pauta. Logo no início, o brasileiro registra: “A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial. As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política”.

Evidentemente que o povo brasileiro não terá acesso, nos jornais e telejornais populares, a uma explicação detalhada sobre o que Lula quis dizer com “fundamentalistas de mercado”. “A ausência de regras”, completa o presidente, favorece os “aventureiros e oportunistas” (sic), em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores. “É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores”.

Novamente, seria perigoso demais que os Willians da TV Globo (Bonner ou Waack) retomassem o pensamento de Celso Furtado. Seria perigoso, pois poderia desencadear questionamentos sobre o funcionamento da própria lógica de privatização dos lucros e socialização dos riscos que ora ocorre no Brasil, tal como a lógica que permite o spread bancário.

Eles poderiam explicar, por exemplo, que a globalização financeira alimenta-se da desordem monetária causada pelo fim das paridades fixas entre moedas fortes. As regras, neste caso, são parecidas com as regras de um grande cassino em Las Vegas. O pano de fundo, comenta o jornalista Bernardo Kucinski [09], é a lenta agonia da cultura monetária baseada no dólar. Enquanto o Japão acumula, por exemplo, grandes saldos em seu comércio exterior, os Estados Unidos tentam manter a hegemonia do dólar, numa espécie de “fuga para o futuro”, na expressão de Furtado. Nesta tentativa, arrastaram para uma crise estrutural nos anos 90 países que têm dívidas em dólar – incluindo o Brasil.

Kucinski demonstra como funciona este “novo sistema de dominação” baseado no endividamento, igualmente registrado no balanço de pagamentos e consolidado em grandes tábuas mundiais da dívida externa, compiladas pelo Banco Mundial: “Essas tábuas mostram que, entre 1980 e 1991, os países da periferia pagaram US$ 607 bilhões de juros, mais do que o valor original da dívida, que, no entanto, nesse mesmo período saltou de US$ 573 bilhões para US$ 1281 bilhões”. Em outras palavras: quantas mais estes países pagam, mais devem.

No Brasil, o pagamento dos juros é a rubrica que consome a maior quantidade de recursos públicos. Só nos primeiros meses de 2008, o governo gastou com juros R$ 106,8 bilhões, ou 6,7% do PIB. É possível imaginar, diante de tão obscuros números, que nem todo o dinheiro da “ajuda” financeira que os EUA deram e pretendem dar às instituições financeiras são de contribuintes americanos. Há também brasileiros, argentinos, bolivianos, venezuelanos, chilenos... [10]

“Fuga para o futuro”

Esta mesma lógica especulativa de fuga para o futuro, com a política de redução da taxa de juros sem controle sobre o crédito, é um fator essencial para o estouro da bolha especulativa nos mercados de hipotecas. Agora, os neoliberais de plantão, com amplo suporte dos amigos jornalistas da mídia corporativa, tratam de tentar transferir os riscos para os indivíduos dispersos.

Em vez de abordar estes temas, a TV Globo preferiu exibir uma charge em que sugere Lula e seus assessores vão à ONU, na verdade, para vender biocombustíveis ele próprio, como se fosse um mercador querendo vender a matéria prima de seu país. Este é o “humor” praticado na Rede Globo [11].

Lula defendeu o papel da ONU na criação de “mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras” contra o que classificou como “anarquia especulativa”.

Muros da globalização

Mantendo a coesão entre os temas, em um dos mais importantes trechos, Lula criticou duramente o caráter totalitário da globalização financeira: “O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros muros foram se construindo, e com enorme velocidade. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados”.

E partiu objetivamente para a defesa de governos como o da Venezuela e da Bolívia: “Um suposto ‘nacionalismo populista’, que alguns pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, é praticado sem constrangimento em países ricos”, complementando com algumas considerações sobre a importância da aliança dos países do sul, em particular da América Latina.

“Em meu continente, a Unasul, criada em maio deste ano, é o primeiro tratado – em 200 anos de vida independente – que congrega todos os países sul-americanos. Com essa nova união política vamos articular os países da região em termos de infra-estrutura, energia, políticas sociais, complementaridade produtiva, finanças e defesa” [12].

Na mídia corporativa brasileira, ao que tudo indica, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) nem sequer existe – apesar dos seus inúmeros êxitos políticos. O motivo dos neoliberais da mídia brasileira (hoje envergonhados) para esconder esta iniciativa é justamente o seu sucesso. E um outro detalhe: a sede da União será localizada em Quito, capital do Equador, o Banco do Sul será na capital da Venezuela, Caracas, e o seu parlamento será localizado em Cochabamba, na Bolívia.

(*) Gustavo Barreto é editor da Revista Consciência.Net e editor de Internacional do Fazendo Media.


REFERÊNCIAS
01 Kucinski, Bernardo. Jornalismo Econômico. SP: EDUSP, 2000
02 Belluzo, Luiz Gonzaga. “A turma do ‘Veja Bem’...”. Revista Carta Capital. 17 set. 2008. No 513.
03 A Revista Consciência.Net realizou a cobertura do REGGEN 2003. Disponível em http://www.consciencia.net/reggen/reggen2003.html
04 Chomsky, Noam; Barsamian, David. Propaganda e consciência popular. Bauru, SP: EDUSC, 2003. Págs 166-167.
05 “Leia o projeto de socorro do Tesouro”. Folha de S. Paulo. 22 set. 2008.
06 Sader, Emir. 'Spread' ou a farra especulativa. Jornal do Brasil. 22 fev. 2004.
07 “William Bonner: meio Homer, meio Lineu”. Revista Consciência.Net. Dez. 2005.
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10 Para dados recentes, visitar http://www.jubileubrasil.org.br/
11 Charge animada do Jornal da Globo, TV Globo. 23 set. 2008.
12 Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do debate geral da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas (Nova Iorque - EUA). Presidência da República. 23 set. 2008.